Quando Cai Wei visitou Buenos Aires, em julho de 2022, como diretor-geral do ministério chinês de Relações Exteriores para América Latina e Caribe, ele caminhou por uma vereda controvertida. Cai visitou o Museu das Malvinas acompanhado de uma autoridade argentina e expressou a convicção de celebrar as reivindicações argentinas sobre as ilhas conhecidas em outras partes como Falklands. A autoridade argentina agradeceu à China seu apoio em relação ao assunto — um grande ponto de discórdia entre Argentina e Reino Unido.
A relação da Argentina com a China tem se aprofundado desde então. Em abril, Buenos Aires concordou em começar a pagar US$ 790 milhões ao mês por importações chinesas em yuan em vez de dólares americanos. Em junho, o Banco Central argentino anunciou que indivíduos podiam abrir contas em yuan, afastando-se ainda mais do dólar. Anteriormente este mês, o ministro argentino da Economia, Sergio Massa, promoveu um acordo para usar yuan de sua crescente linha de swap de divisas com a China para saldar a maior parte de sua dívida no FMI.
Tudo isso reflete o assertivo esforço pós-pandêmico da China para aumentar sua influência por toda a região América Latina e Caribe. Brasil, Argentina e Bolívia passaram a usar regularmente o yuan, negociações com Uruguai, Honduras e Nicarágua sobre acordos bilaterais de livre comércio (FTAs) avançam, e a China enfatiza que seus investimentos melhoram cadeias de valor locais, da mineração de lítio à produção de veículos movidos a eletricidade no México, à fabricação de vacinas no Chile.
Cai, de 52 anos, coordena este esforço. Diplomata veterano, de fala mansa e formado em direito, ele viajou extensamente pela região desde que assumiu sua atual função, no início de 2021. Suas declarações em visitas fornecem uma visão direta das prioridades chinesas, afirmou Yanran Xu, professora assistente da Escola de Estudos Internacionais da Universidade Renmin, em Pequim. Cai mostrou que, mesmo enquanto o investimento chinês na região titubeia, a China coloca foco em FTAs, acesso a recursos naturais, nas relações com Estados menores e no uso de fóruns multilaterais para fortalecer sua diplomacia.
Mas para ler seus sinais, os observadores devem prestar muita atenção porque Cai é discreto, e pouco se sabe a respeito dele publicamente. Em sua atual função, Cai tem mais em comum com políticos e embaixadores de Pequim do que em campo, afirmou Xu à AQ. “Diretores-gerais não querem holofotes sobre si mesmos”, disse a analista, porque eles devem conformar-se com proximidade especial às estratégias e terminologias formuladas em Pequim por seus superiores.
Embaixadores têm mais liberdade de manobra para se adaptar a contextos locais individualmente, o que ajuda a explicar por que Cai não ecoou o estilo mais combativo que alguns diplomatas chineses adotaram na América Latina após a eclosão da pandemia de covid-19. Em 2020, eles publicaram artigos agressivos em jornais locais do Rio de Janeiro à Cidade do México, com Xu Bu, então embaixador no Chile, assinando um texto sobre o secretário de Estado americano na época intitulado “Pompeo, o mentiroso”. Nas redes sociais, diplomatas chineses reagiram a tentativas de culpar a China pela pandemia ou acusar empresas como Huawei de representar risco à segurança.
Um posto controvertido
Cai continua vivendo em Pequim e interagindo na arena política da capital chinesa, onde passou a maior parte de sua carreira, e suas funções ao longo de duas décadas tiveram foco exclusivo sobre Américas e Austrália. Mas ele não evitou completamente os holofotes. Após servir em Ottawa, Canadá (2000-04) e Canberra, Austrália (2014-19), sua última missão no exterior, como cônsul-geral em Houston, Texas, durou pouco. Em 2020, o governo Trump fechou o consulado no mesmo momento que o então secretário de Estado, Mike Pompeo, qualificou o posto diplomático como um “centro de espionagem e roubo de propriedade intelectual”.
O chefe de políticas para o Leste da Ásia do Departamento de Estado na época, David Stilwell, citou pouca evidência e somente um exemplo concreto numa entrevista ao New York Times, afirmando que Cai e dois outros diplomatas chineses foram flagrados usando identidades falsas para acompanhar viajantes chineses em um voo fretado. Cai negou enfaticamente as acusações e expressou surpresa durante uma entrevista televisionada, que mostrou sua maneira gentil de se expressar num inglês com sotaque. (Em língua espanhola, ele costuma usar intérprete.)
O Ministério de Relações Exteriores da China recusou-se a tecer comentários neste artigo.