Rússia fecha principal gasoduto e acentua riscos energéticos para a Europa

A Rússia interrompeu o fluxo de gás através do importante gasoduto Nord Stream 1 para a Europa, citando a necessidade de realizar reparos, em uma medida que aumentou o nervosismo europeu sobre a confiabilidade do fornecimento de energia no inverno.

Kremlin diz que será uma pausa de três dias para manutenções, mas os europeus temem que as torneiras sejam reabertas a um fluxo ainda menor — ou que permaneçam fechadas, com drásticos impactos socioeconômicos para o continente.

Nos últimos meses, a vazão de gás havia sido reduzida para 40% dos níveis esperados. Em julho, o fluxo foi interrompido para manutenção programada e retomado novamente após 10 dias, mas com apenas 20% da capacidade, com Moscou culpando o fracasso da Alemanha em devolver equipamentos vitais devido às sanções impostas à Rússia.

O governo alemão rejeita a alegação, chamando-a de “pretensão”. Ele disse que o Nord Stream estava “totalmente operacional” e que não havia problemas técnicos.

Desde que invadiu a Ucrânia, a Rússia cortou completamente o fornecimento de gás para a Bulgária, Dinamarca, Finlândia, Holanda e Polônia e reduziu os fluxos através de outros gasodutos.

Na manhã de quarta-feira, a Rússia acusou o governo alemão de fazer todo o possível para destruir suas relações energéticas com Moscou. Uma porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Maria Zakharova, disse que a Alemanha é a culpada por “tentar fraturar completamente” o vínculo energético entre os dois países.

Corrida contra o frio

A Alemanha está correndo contra o tempo para deixar de depender tanto do gás russo, já tendo diminuído sua dependência de cerca de 55% em fevereiro para cerca de 26% atualmente, reduzindo o uso e encontrando fontes alternativas de importação. Mas não se espera que seja completamente independente do gás russo até meados de 2024.

A “estação de aquecimento”, que geralmente começa em meados de setembro, é vista como um momento crítico para os planos de fornecimento de energia da Alemanha, pois a partir de então o gás armazenado será necessário por causa do começo dos meses frios, e os níveis cairão. Um inverno mais frio e mais paradas de abastecimento da Rússia podem complicar a situação.

Segundo a Gazprom, a estatal russa do gás, é necessário fazer manutenções e inspeções de rotina no único equipamento de compressão ainda em operação no gasoduto que cruza o Mar Báltico. Os europeus, contudo, afirmam que Moscou faz chantagem energética e usa o combustível como arma em retaliação à enxurrada de sanções ocidentais que buscam minar as capacidades russas de financiar sua invasão na Ucrânia.

Esta é a segunda vez que o gasoduto é paralisado para manutenção em pouco mais de um mês: na segunda quinzena de julho, ficou parado por 10 dias. Na época, foi reiniciado com o mesmo fluxo de 40% de antes dos reparos. Alguns dias depois, contudo, Moscou anunciou que o percentual seria reduzido para 20%, que corresponde a um fluxo de 33 milhões de m³ diários.

O funcionamento a um quinto da capacidade permanecia até terça-feira, e os russos prometem mantê-lo ao religar o Nord Stream 1, chave para o abastecimento energético da Europa. Até o começo da guerra na Ucrânia, em 24 de fevereiro, a Rússia fornecia sozinha 40% do gás consumido pela União Europeia (UE).

Sozinho, o gasoduto com mais de 1,2 km de extensão supria 15% do gás consumido pelos europeus antes do conflito. Os cortes, contudo, se acentuaram em junho, após Putin demandar que o pagamento pelo combustível fosse feito em rublo, o que possivelmente violaria as demandas feitas pela UE.

Isso fez com que empresas de diversos países se recusassem a acatar os termos do Kremlin, levando os russos a suspenderem por completo o envio de gás para países como a Bulgária.

Na terça, a Gazprom reduziu ainda mais suas entregas de gás para a operadora energética francesa Engie nesta terça-feira após uma divergência sobre contratos, levando Paris a acusar o Kremlin de usar a energia como “arma de guerra”. Nesta quarta, por sua vez, a italiana Eni disse que o fluxo que recebe caiu mais de um quarto para 20 milhões de m³, em comparação com 27 milhões de m³ na véspera. Em junho, o volume chegava a 37 m³.

Fiel às obrigações

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que a Gazprom “se mantém fiel às suas obrigações e contratos”, mas “não pode cumpri-los por causa dos limites e das sanções”. Uma turbina extra, que poderia aumentar o fluxo, está “presa em um limbo na Alemanha”, com Moscou e Berlim debatendo sobre quais são os documentos necessários para autorizar seu transporte.

Diante da crise energética, os ministros de energia europeus marcaram para o dia 9 uma reunião emergencial para discutir a possibilidade de pôr um teto comunitário no preço do gás. Buscam responder à escalada do custo do combustível, que chegou a subir 700% em desde o início do ano passado.

Apesar do preço ter reduzido nos últimos dias após bater recorde na semana passada, chegando a 340 euros por megawatt-hora, ainda continuam no mesmo patamar do meio de agosto, perto de 234 euros por megawatt-hora. O alto custo é uma das principais forças-motrizes do aumento da inflação na Europa, mas a situação pode piorar.

Na segunda, os estoques de gás do continente estavam a 80,17%, de acordo com dados da Infraestrutura de Gás da Europa. A meta de Bruxelas era atingir o patamar até novembro, mas nem mesmo isso pode ser suficiente em caso de um corte total da Rússia, que poderia forçar o continente a racionamentos no frio inverno e desencadear uma recessão.

Um dos países no epicentro da crise é a Alemanha, cujas fábricas são muito dependentes do gás russo. Na semana passada, o presidente da Agência Federal de Redes Energéticas, Klaus Mueller, disse que o país precisaria reduzir seu uso de gás em ao menos 20% e garantir fontes alternativas para aguentar o inverno. Afirmou, contudo, que a situação é melhor que no início do conflito: “Os estoques de gás estão quase 85% cheios, e também podemos armazenar gás durante o inverno”, tuitou ele.

A meta alemã é chegar a 95%, o que cobriria menos de três meses de aquecimento, mas o governo do chanceler Olaf Scholz, social-democrata, tem dificuldades para conter a crise. O Gabinete terminou nesta quarta um retiro de dois dias sem um plano claro para fazer frente à crise energética, mas disse que o objetivo é “garantir que os preços não disparem”.

Acordo suspenso

Também nesta quarta, os 27 chanceleres da União Europeia (UE) chegaram a um consenso para suspender unilateralmente um acordo de 2007 que facilitava a emissão de vistos para cidadãos russos em repúdio à invasão na Ucrânia. A pausa na venda de gás, contudo, já estava prevista e não é uma retaliação direta à medida europeia.

A Ucrânia demandava que os países europeus suspendesse por completo a emissão de vistos para turistas russos, mas não houve consenso para isso. Alguns países, como a Alemanha, são contra a ideia de punição coletiva. Outros, como as nações bálticas e a Polônia, já restringem o fluxo de russos pelas fronteiras terrestres.

Houve consenso, contudo, para que suspendessem um acordo que facilita a emissão de vistos, firmado em 2007. O pacto facilita a emissão das autorizações e as torna mais baratas. Partes que permitiam o livre movimento de funcionários do governo e de empresários foram suspensos em fevereiro após a eclosão da guerra. O tráfego aéreo para a Rússia também já está banido.

De acordo com o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, as relações com a Rússia não podem continuar “como de costume” e a suspensão do pato se fez necessária para tornar “mais difícil” a concessão de vistos. A medida, afirmou ele, “vai reduzir significativamente o número de novas permissões” para cidadãos do país de Putin. / AP, AFP, NYT e W.POST

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