Pokémon Go é só o começo

Pokémon Go é bem mais importante do que a febre pelas ruas parece sugerir. É o primeiro contato que a maioria de nós terá com a realidade aumentada. Esta tecnologia, que permite incluir objetos virtuais no mundo real, é potencialmente revolucionária. Sim: revolucionário é um termo abusado nas coisas digitais. Só que neste caso não há exagero. O que há, isto sim, é uma incrível dificuldade de juntar as possibilidades tecnológicas com o mundo real.

Pokémon Go não é o primeiro jogo de RA. Alguns aventureiros de primeira hora empolgaram-se, há três anos, com Ingress, um game criado pela Niantic, à época subsidiária do Google. Jamais decolou. Mas era, essencialmente, um Pokémon Go. Não é à toa que a mesma Niantic fez o novo jogo sob encomenda da Nintendo, como mostrou artigo de Pedro Doria, no Estadão de 05/08.

Dispare o jogo no celular e a tela mostra o ambiente à sua frente. A diferença é que ele inclui Pokémons para caçar. As aplicações reais do conceito são transformadoras. A mais óbvia é um GPS. Ao invés de celular com um mapa, use óculos de realidade aumentada. As setas aparecem na própria rua. É só o início.

Na Bienal de Arquitetura de Veneza deste ano, o arquiteto Greg Lynn falou de sua experiência com o HoloLens, óculos que a Microsoft está desenvolvendo. Com o projeto pronto em 3D, ele pode ver o prédio de pé onde só há terreno. Com os mesmos óculos, um mestre de obras tem como dispensar instrumentos de medição. Traça paredes, encaixa canos, corta espaço para conduítes seguindo uma matriz virtual que seus olhos veem. Fazer obra vira um jogo de siga os pontos com a planta sobreposta sobre vazio. Aplicações industriais similares não faltam.

Realidade aumentada é uma internet sobreposta no mundo. Passeie pelos corredores de um supermercado, pegue uma garrafa de vinho, os óculos reconhecem a etiqueta. A opinião de seu crítico favorito aparece. Na cozinha, a receita escrita está constantemente à esquerda enquanto o chef amador corta cebolas e frita o alho.

E, naturalmente, ter a internet assim traz possibilidades ainda maiores. Nunca mais, por exemplo, o constrangimento de não reconhecer uma pessoa na festa da empresa. O nome de cada um pode aparecer sobre sua cabeça, basta pescar de um banco de dados comum e fazer o reconhecimento do rosto. Assim como as aulas de ciências ficarão mais interessantes, com vulcões, órgãos funcionando e tudo o mais aparecendo como hologramas no meio do espaço.

Há um motivo, porém, para que Pokémon Go só tenha aparecido agora e seja, convenhamos, tão primitivo. As tecnologias que permitem realidade aumentada já existem, mas não são portáteis o bastante.
Um dos problemas é energia. Realidade aumentada é pouco prática no celular. O Google tentou criar seu par de óculos, era frágil. Há, principalmente, pouco espaço para bateria. Outra questão é processamento. Chips minúsculos ainda não são capazes de gerar imagens em 3D com qualidade. E o rosto muda de posição a toda hora. Cada micromovimento é um redesenho do objeto virtual. Mesmo com chips de celular é difícil e exige muito da bateria.

A maior dificuldade é localização. Celulares não são precisos o bastante para registrar com o necessário detalhe onde estamos a cada segundo. Mas, sem esta informação, a posição do objeto virtual não será clara e, assim, ele parecerá flutuando. O GPS não funcionará, a planta do mestre de obras muito menos. Realidade virtual chegará a nós bem antes da realidade aumentada.

Pokémon Go é o primeiro uso de RA com o qual a maioria de nós conviverá. Como toda febre, provavelmente vai arder bastante e, em pouco tempo, irá embora. Alguns outros jogos do tipo aparecerão sem repetir o mesmo sucesso. Mas realidade aumentada mesmo, a de verdade, esta ainda demorará um bocado para aparecer.

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