O medo de passar vergonha; a euforia; a reparação

Pedro de Santi

Como anda nossa auto-estima como brasileiros? As reações à abertura dos jogos olímpicos deu uma ideia a respeito.

Antes do começo, apreensão, gente tentando fazer uma graça meio sem graça dizendo que a palavra de ordem era ‘gambiarra’, ante a escassez de recursos.

Havia medo de alguma forma de violência associada ao terrorismo, mas, sobretudo, havia medo de passar vergonha aos olhos do mundo.

A última vez que os olhos do mundo estiveram sobre nós, foi para assistir a Copa em que fomos humilhados na semi-final pela Alemanha. A última vez que os olhos do Brasil estiveram sobre um mesmo evento, foi para assistir à votação pela Câmara dos Deputados do impeachment da presidente; e todos nós, mesmo os que comemoraram o resultado, morremos de vergonha com a mediocridade das cenas assistidas.

Depois de cerca de 20 anos de movimento ascendente econômico e social, a Copa e a votação do impeachment eram emblemáticas de uma derrocada, da volta ao Brasil à condição de vira-lata, como se dizia nos anos 50, antes de ganharmos a primeira copa do mundo, de termos Juscelino e Brasília e do sucesso internacional da bossa-nova.

Parece que coletivamente foi fácil demais acreditarmos na queda. É como se pensássemos que os bons momentos tivessem sido falsos e agora se impusesse o reencontro com quem realmente somos: vira-latas dependentes de gambiarras. Mesmo que a gente costume revesti-la de humor auto-depreciativo, em geral guardamos uma auto-imagem coletiva muito ruim.

Daí então que o encantamento com que a abertura dos jogos foi acompanhado por um enorme alívio. Estávamos preparados para o pior; passar vergonha diante das visitas, como já havia acontecido quando a delegação da Austrália expôs os problemas do alojamento.

Mas então, entre o Paulinho da Viola cantar o Hino Nacional e a tocha Olímpica se impor exuberante, conseguimos relaxar e até tirarmos uma onda, como através dos ciclistas que conduziram cada delegação num simpaticíssimo e despretensioso triciclo, fazendo caras, bocas e dancinhas.

A gambiarra foi ressignificada em criatividade; e a desorganização, em informalidade simpática.

E o melhor de nossas referências foram nossos compositores setentões, sobretudo na imagem dramática de Gilberto Gil, tão abatido. Nem tocou forró universitário, para nosso maior alívio.

Mas a bipolaridade afetiva entre o receio deprimido de passar vergonha e o orgulho de nossa Úber model ao som de Tom Jobim não nos faz caminhar adiante.

Até porque os primeiros resultados do fim de semana já começam a nos dar a escala de nosso desempenho possível.

Talvez o gesto mais importante da cerimônia para a construção de uma auto-estima mais consistente para nós tenha sido a oferta ao maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima para que acendesse a Pira Olímpica. O atleta foi prejudicado em suas chances de ganhar a medalha de ouro olímpica em Atenas: depois de ser agarrado no percurso por um maluco, seguiu a prova e ainda conquistou o bronze.

A oferta de uma possibilidade de reparação implica na capacidade de reconhecer um dano e, sem se abater por ele ou negá-lo, ter-se a capacidade vitalizada de reconstrução e cuidado. Sobre isto, sim, se constrói estima: auto e hetero.

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