O apetite dos investidores por títulos de dívida de mercados emergentes, motivado pelas baixas taxas de juros no mundo, tem ajudado a evitar uma catástrofe fiscal nos países em desenvolvimento abalados pelo choque do coronavírus. Analistas alertam, no entanto, para o risco de que os governos desses países, ao tentar sair das dificuldades captando dívidas, possam estar acumulando problemas ainda maiores para o futuro.
Na onda de pânico que dominou os mercados quando a pandemia chegou em março, muitos ficaram preocupados com a possibilidade de os países emergentes mergulhassem em uma crise da dívida como as do fim do século 20.
Em vez de calotes de dívidas, porém, o que se tem visto são mais captações. Desde 1o abril, os países em desenvolvimento levantaram mais de US$ 100 bilhões nos mercados de bônus internacionais.
“O grau dos receios visto em março e abril quanto à inadimplência das dívidas, que parecia indiscriminado, diminuiu bastante”, disse Stuart Culverhouse, economista- chefe da empresa de análises Tellimer. “Não prevemos problemas sistêmicos para os mercados emergentes.”
Mas outros temem que o impacto de longo prazo da pandemia será difícil de ser absorvido. “Temos visto recuperações em forma de ‘V’ [rápidas] em muitos lugares e isso tem alimentado o otimismo de que [a pandemia] é [um impacto] isolado, uma questão de poucos meses, que é doloroso no curto prazo, mas que não terá impacto duradouro”, disse Phoenix Kalen, estrategista de mercados emergentes no Société Générale. “Mas, à medida que o tempo avança e vemos mais infecções, mais lockdowns, mais restrições à atividade econômica pelo mundo, começa a cair a ficha do que é a realidade”.
Os danos econômicos já vêm sendo bem maiores do que os previstos, com retrações no Produto Interno Bruto (PIB) de dois dígitos percentuais em boa parte dos emergentes no segundo trimestre.
Em muitos países, as finanças públicas vêm sendo devastadas. Entre janeiro e maio, a Nigéria gastou 72% de sua arrecadação para pagar o serviço da dívida. A África do Sul vê um déficit fiscal de 15% do PIB neste ano, mais que o dobro do previsto antes da pandemia.
“Quase todos os países dependentes de commodities estão na mesma situação”, disse Edwin Ikhuoria, diretor para a África da “One Campaign”, uma campanha de combate à pobreza. “Não há arrecadação entrando.”
Até agora, porém, não se ouvem pedidos de ajuda no que se refere às dívidas. Embora dezenas de países tenham recebido financiamento emergencial do Fundo
Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, os valores em questão em sua maioria são pequenos e só Egito e Ucrânia assinaram novos programas de ajuda com o FMI.
Analistas dizem que o estigma e as condições normalmente exigidas nesses financiamentos multilaterais dissuadem muitos países de buscar tal ajuda. Além disso, os juros internacionais juros têm dado aos captadores a opção de acessar os mercados, em vez de pedir assistência multilateral.
Muitos já elevaram a carga de endividamento para níveis históricos. A agência avaliadora de risco Moody’s prevê que a relação dívida/PIB nos 19 maiores países emergentes aumentará, em média, 10 pontos percentuais neste ano.
Mesmo em um mundo de taxas de juros baixíssimas, os países não podem continuar captando para sempre, alerta Kalen. “Em algum momento, as limitações orçamentárias chegarão a tal ponto que os governos ficarão sem condições de manter seus gastos e pagar os juros”, disse. “Se as dívidas continuarem aumentando nesse ritmo, isso se tornará insustentável.”
Há sinais de que a capacidade de captação dos emergentes já está perto do limite. As taxas de juros nos mercados de dívida local estão em alta. Os investidores estrangeiros vêm perdendo o apetite. Um indicador de fluxos de capital da Capital Economics sinaliza que os países emergentes viram a saída líquida de US$ 30 bilhões em agosto, o maior volume desde os US$ 55 bilhões registrados em março, no auge do pânico no mercado.
Para muitos mercados emergentes, o que parece ser uma saída para os problemas, pode não ser nada além de um adiamento.
https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/09/29/paises-emergentes-emitem-mais-dividas.ghtml