Nova estratégia do BC Europeu segue o BC dos EUA

Quando assumiu a presidência do Banco Central Europeu (BCE) Christine Lagarde disse que nem seria “hawk” (falcão) nem “dove (pomba), mas sim “owl” (coruja), brincando com os jargões famosos do mercado financeiro: os dois primeiros significando vieses mais ou menos restritivos para a política monetária. Ser uma coruja, então, era estar em outra posição, a de observar, essencialmente. 

Mas hoje, quando deu as primeiras pinceladas naquilo que deve vir na revisão de estratégias de política do BCE em uma entrevista coletiva, Lagarde deixou de lado essa ideia e apontou um caminho na linha do Federal Reserve (Fed), assumindo que a autoridade monetária pode estudar deixar a inflação escapar ao teto da meta. Ou seja, será frouxa (“dovish”) a perder de vista. Esta revisão deve durar até o fim de 2021.

Mas tem aí uma particularidade. 

Diferentemente do Fed, a meta do BCE é ‘abaixo, mas perto de 2%’ (“below, but close to 2%”), não 2% pontualmente (isso antes de o BC americano trocá-la para uma variação média neste nível). 

Então, essa mudança (para o nível de 2%) era uma coisa esperada dentro do arsenal de ferramentas disponíveis para reforçar o viés ultra-acomodatício da política monetária em um cenário de retração econômica histórica. 

Lagarde não surpreendeu neste sentido e, talvez por isso, a reação do mercado não tenha sido importante olhando por este prisma. Claro que, na ressaca do primeiro debate da corrida eleitoral dos EUA (caótico no mínimo), de notícias com gosto mais positivo sobre o pacote de estímulo à economia dos EUA e números da pandemia, tudo se mistura nas análises. E ainda é o fechamento do trimestre, o mais atípico desde a crise de 2008. 

Dentro do BCE, entretanto, as correntes de pensamento não devem convergir facilmente para esta linha mais flexível de política. 

Há clara divisão dos membros do norte, Alemanha à frente, e os do Sul, representado pelas nações mais frágeis economicamente. Dos primeiros, a visão de que alterações de política (neste caso da meta de inflação) que vão empurrar o BCE para um afrouxamento da política ainda maior solidifica a instituição como principal ator no mercado de bônus europeus. Como resultado, maior endividamento soberano, maior risco fiscal, maior vulnerabilidade para a moeda comum. 

Do outro lado, países com maiores fragilidades como a Grécia, Croácia, ou mesmo a Itália e Espanha se beneficiariam de mais estímulos e mais tempo para tomar fôlego, passado o sufoco da contração econômica derivada da pandemia. 

Esta queda de braço pode ser vista de novo hoje na fala do ícone do lado conservador do BCE, o presidente do Bundesbank (BC da Alemanha), Jeans Weidmann. Em discurso no Instituto para a Estabilidade Monetária e Financeira em Frankfurt, o banqueiro alemão disse que “os bancos centrais de todo o mundo estão procurando maneiras de responder ao declínio da taxa natural. Como as taxas de juros podem atingir o limite inferior com cada vez mais frequência, a margem de manobra da política de taxas de juros tradicional diminuiu”. 

Mas, numa clara crítica à Lagarde, a conclusão do presidente do Bundesbank, é que “é importante destacar que não temos um mandato duplo como o Federal Reserve” e que, portanto, “essa é uma das razões pelas quais a sua estratégia de política monetária não pode simplesmente ser transferida para a área do euro, embora possa ainda enriquecer nossas deliberações”. 

https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/09/30/analise-lagarde-sinaliza-nova-estrategia-do-bce-na-linha-do-fed-mas-falta-combinar-com-os-alemaes.ghtml

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