O Parlamento da Alemanha elegeu Olaf Scholz como novo primeiro-ministro encerrando uma era de 16 anos de Angela Merkel no poder. Olíder de centro-esquerda herdará desafios de longa data de sua antecessora e enfrentará um conjunto de crises de curto prazo que podem complicar seus planos de modernizar o país e a economia.
O Partido Social-Democrata (SDP), o Partido Democrático Liberal (FDP) e os Verdes chegaram a um acordo sobre um programa de quatro anos para reformar a economia alemã, combater as mudanças climáticas, digitalizar os serviços públicos e reverter o declínio demográfico no país.
De imediato, no entanto, eles terão que lidar com a pior onda da covid-19 registrada no país, o aumento da inflação, a disparada dos preços da energia, a queda da confiança dos consumidores e os problemas na indústria, que enfrenta uma combinação tóxica de gargalos de fornecimento de produtos, queda de pedidos e escassez de mão de obra qualificada.
No cenário global, a Alemanha é criticada pela parceria energética com a Rússia — o polêmico gasoduto Nord Stream 2 deve entrar em operação nos próximos meses, em um momento em que a Casa Branca alerta para a possibilidade de que o Kremlin esteja preparando uma invasão da Ucrânia. Scholz também terá que lidar com a crescente hostilidade entre os EUA, principal garantidor da segurança do país, e a China, maior parceiro comercial dos alemães.
Todos os desafios terão de ser enfrentados enquanto Scholz mantém unida a coalizão sem precedentes entre os social-democratas, os verdes e os liberais, três partidos que frequentemente têm opiniões distintas em questões que vão desde a tributação à imigração.
Analistas disseram que Scholz terá que evitar seguir o mesmo caminho de outras coalizões anteriores que uniram partidos de centro-esquerda e de centro-direita, que gastaram mais tempo e capital político tentando evitar o colapso do governo do que implementando suas propostas políticas.
A resposta à pandemia de covid-19 provavelmente consumirá a maior parte da energia do governo nos próximos meses. Para conter o aumento de mortes e hospitalizações, Scholz apoia a obrigatoriedade da vacinação, uma política polêmica que já gerou protestos na Alemanha e provavelmente será contestada nos tribunais quando entrar em vigor, possivelmente em fevereiro do próximo ano.
A inflação, e em particular os preços da energia, também estão influenciando a confiança do consumidor e podem assombrar Scholz no início de governo. Em parte, isso é um legado da decisão tomada em 2011 por Merkel para acelerar a eliminação do uso da energia nuclear.
O desligamento final de todos os reatores nucleares da Alemanha ocorrerá no próximo ano, enquanto as usinas a carvão deverão ser fechadas até 2030, o que deixará a maior economia da Europa dependente de fontes renováveis e do gás importado da Rússia.
A coalizão de Scholz pretende usar o gás até desenvolver suficientemente as energias renováveis para abastecer sua economia. Mas já existem divergências dentro do governo sobre como lidar com a Rússia. O SPD é tradicionalmente um aliado do Kremlin, enquanto os verdes pressionam para que a Alemanha desista do Nord Stream 2, em resposta à postura cada vez mais antagônica de Moscou em relação ao Ocidente.
Mas talvez o maior teste de política externa de Scholz seja a hipótese de ele ser forçado a assumir uma posição mais clara na disputa entre Estados Unidos e China, algo que Merkel conseguiu evitar.
A rivalidade crescente entre as duas potências colocou a Alemanha e a Europa sob pressão, sobrecarregando até mesmo as cadeias globais de abastecimento, segundo Clemens Fuest, chefe do Centro de Estudos Econômicos, um think tank que assessora o governo alemão.
Espera-se que Scholz, historicamente um defensor da aliança entre EUA e Europa, mantenha o posicionamento de Merkel em relação à Casa Branca, alinhando Berlim diplomaticamente a Washington na maioria das grandes questões de política externa, enquanto mantém algumas áreas de desacordo devido aos interesses comerciais da Alemanha.
Scholz disse ontem que fortalecer os laços com os EUA e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) seriam prioridades de seu governo, mas não respondeu a perguntas se estaria disposto a abandonar o Nord Stream 2 ou se aderiria ao boicote promovido pelo governo de Joe Biden ao Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim no próximo ano.
Enquanto navega pelas crises de curto prazo, Scholz planeja começar a implementar o programa acertado com os parceiros de coalizão, o que inclui a modernização da infraestrutura digital do país e da administração pública. O governo também quer cortar as emissões de carbono sem prejudicar o crescimento ou provocar agitações sociais. Outra meta é administrar um declínio demográfico que, segundo economistas, pode desencadear uma escassez aguda de mão de obra nos próximos anos.
Assessores de Scholz disseram que ele quer enfrentar o problema da falta de trabalhadores que ameaça o sistema previdenciário alemão trazendo mais migrantes europeus e treinando melhor os estrangeiros que já estão na Alemanha.
Governos anteriores falharam em esforços semelhantes, alertou o analista político Gabor Steingart, observando que o governo de centro-esquerda de Scholz não está disposto a reformar o estado de bem-estar social da Alemanha para torná-lo mais sustentável.
Um dos desafios mais substanciais que Scholz enfrentará é a descarbonização da indústria. Para isso, ele terá que ajudar os fabricantes de automóveis da Alemanha a mudarem para os veículos elétricos. Como parte dessa estratégia, o governo criou o Ministério da Economia e do Clima, que será chefiado por Robert Habeck, colíder dos Verdes e vice-premiê.
“A transformação verde deve ser administrada de uma forma que não prejudique a economia alemã”, disse Steingart. “Somos o país mais industrializado da Europa e devemos encontrar o equilíbrio certo para cumprir essa tarefa histórica.”
