A boa onda que passou a impulsionar o setor de tecnologia do Brasil em meados de 2018 invadiu toda a América Latina em 2021: a região registrou recorde em investimentos em startups neste ano, o que gerou uma nova geração de ‘unicórnios’ (empresas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão). Segundo relatório trimestral da consultoria americana CB Insights, o território somou US$ 14,8 bilhões em aportes até setembro – em 2020, o valor foi de US$ 5,4 bilhões, até então o mais alto da série histórica.
O México, maior mercado da região depois do Brasil, viu nascer neste ano cinco novos unicórnios, totalizando oito em todo o histórico do país. Só nesta semana, duas startups de lá atingiram o status de criatura mágica: a fintech Clara e a Incode, de identificação digital. Outros países acompanharam a tendência, como Argentina e Uruguai (veja a tabela abaixo).
O momento do mercado de inovação da América Latina faz parte de um “ciclo virtuoso”, em que um fator empurra o outro adiante. A pandemia de covid, por exemplo, trouxe dois efeitos: a queda mundial dos juros básicos, aumentando o apetite de investidores por risco; e o crescimento da digitalização de diversos setores, algo que beneficia especificamente as startups.
O Brasil puxa a fila das startups latinoamericanas: já são 18 unicórnios, segundo a empresa de inovação Distrito. Desde 2018, o País vê o setor de inovação amadurecer pela presença de novos fundos de investimento e pelo sucesso de startups que já não se limitam mais às fronteiras nacionais.
“Agora que existem vários unicórnios no Brasil, ninguém mais tem medo de pular na piscina gelada”, explica Pedro Carneiro, diretor da aceleradora ACE Startups, acrescentando que esse movimento gera um efeito manada – com bons exemplos brasileiros, a América Latina como um todo também começa a parecer mais atraente aos olhos de investidores internacionais.
Dessa maneira, o status do Brasil como carro-chefe pode estar com os dias contados. Para Ana Martins, investidora do fundo Atlantico, apesar de o Brasil ainda estar à frente em termos de maturidade de inovação, o cenário está mudando. “Essa distância diminuiu em 2021, com o nascimento de nomes relevantes em outros países latinoamericanos”, afirma. Nesse ritmo, ela espera que o próximo ano traga ao menos seis novos unicórnios para a região.
‘Ven junto a mí’
Um ambiente de inovação em rápida expansão na América Latina traz uma óbvia vantagem para os empreendedores da região, dizem especialistas: o intercâmbio entre países, com maior circulação de capital e tecnologia.
Esse fenômeno permite a rápida internacionalização das startups – daqui para lá e de lá para cá. Neste ano, startups latinoamericanas como Frubana (atacado digital para restaurantes e mercados, da Colômbia), Kavak (plataforma de compra e venda de carros, do México), Pomelo (fintech, da Argentina) e Betterfly (serviço de benefícios corporativos, do Chile) anunciaram chegada ao Brasil. Ao mesmo tempo, empresas brasileiras como Nubank, Creditas, QuintoAndar e Loft começaram a se instalar em países da região, principalmente no México.
Outra estratégia que tem ficado comum nesse intercâmbio é a parceria ou mesmo aquisição de startups estrangeiras para entrar em determinado mercado, como um atalho para a internacionalização – transações que só são possíveis quando toda a região prospera em inovação. É o que fez a Loft em outubro com a aquisição da mexicana True Home, primeiro passo da empresa de imóveis brasileira fora do País.
Para Carneiro, da ACE, os bons ventos trazem também uma vantagem competitiva no momento de recrutar talentos ou desenvolver produtos específicos para a região. “Fica mais fácil também contratar desenvolvedores nativos em espanhol, o que aumenta a penetração internacional”, diz.
Com acesso mais livre, a tendência do continente é ver movimentos mais arriscados, com startups ainda em estágio inicial tentando ganhar espaço em outros países – antes, a internacionalização vinha somente depois de avançado estágio de maturidade, com o produto já escalado e testado domesticamente. E isso é positivo, diz Carneiro: “Vamos ter mais contato com outras startups. E esse contato vai ser mais cedo, com empresas menores”.
A efervescência latinoamericana também está forçando atores nacionais que orbitam o mercado de inovação a ampliarem o escopo de atuação. A Distrito revela com exclusividade ao Estadão nesta quarta-feira, 8, que agora reúne dados não só das startups do País, como faz desde novembro de 2020, mas também das empresas da América Latina. Com isso, o número de companhias de tecnologia listadas na plataforma salta de 16,7 mil para 35 mil — dessas, 5,2 mil são mexicanas e 3,2 mil, argentinas. Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Peru e Uruguai também são os países que chegam à plataforma, chamada de Techboard.
“Queremos dar um leque maior de opções aos nossos clientes”, conta Gustavo Araújo, presidente executivo da Distrito. Com a adição, o objetivo é facilitar a conexão entre diferentes partes do mercado de inovação, que podem ser de startups buscando parceiras de negócios a até gigantes tradicionais em busca de aquisições para aumentar portfólio. “É uma solução para as corporações”, completa.
O Techboard permite buscar, filtrar e analisar empresas de tecnologia das mais diversas áreas, permitindo pesquisas por categoria, tamanho, volume de investimentos e fundos envolvidos, por exemplo. A solução está disponível a partir de R$ 10 mil mensais e usa algoritmos e robôs para vasculhar a internet em busca de informações públicas sobre as companhias. “É uma ferramenta que ajuda investidores e empreendedores a encontrar startups dentro da tese que estão procurando”, afirma Araújo.
De maneira similar, em setembro passado, a plataforma Sling Hub, fundada em fevereiro de 2020 no Rio de Janeiro, também alçou voo para a América Latina, aterrissando no México, Uruguai, Argentina, Chile, Peru e Colômbia. No total, são 24 mil startups latinoamericanas cadastradas no banco de dados, que também usa tecnologia para garimpar dados públicos das empresas listadas