Novo governo alemão tem 5 grandes desafios

O novo governo alemão empossado ontem representa um experimento político sem precedentes. Os três partidos da coalizão – Social Democrata (SPD), Verdes e Partido Democrático Liberal (FDP) – nunca governaram juntos. 

A aliança estará sujeita a tensões imediatas de uma série de questões urgentes, incluindo uma escalada na pandemia de covid-19. Como eles lidarão com os desafios descritos abaixo moldará o veredito da história sobre a coalizão. 

1. Superação da covid-19. O Gabinete de Olaf Scholz assume com a Alemanha enfrentando uma quarta onda de covid-19, muito superior aos surtos anteriores. As taxas de infecção dispararam e os hospitais do país estão chegando ao limite de sua capacidade. 

Diante de uma taxa de vacinação que é bem menor que a de países como Espanha, Dinamarca e Bélgica, o novo premiê defende a vacinação obrigatória para todos. Mas até mesmo aqueles dispostos a tomar a vacina enfrentam obstáculos: longas filas se formam todos os dias fora dos centros de vacinação e os consultórios médicos reclamam da falta de vacinas. 

Enquanto isso, as tensões sociais aumentam: na semana passada manifestantes contrários aos lockdowns fizeram uma passeata com tochas em frente à casa de um secretário regional de Saúde, num protesto que foi amplamente condenado por políticos em Berlim. 

2. Uma economia trôpega. Scholz enfrenta um cenário econômico muito pior do que quando o seu SPD venceu por pouco as eleições legislativas em setembro. Dados divulgados nesta semana mostram uma queda muito maior nas encomendas às fábricas do que a prevista por analistas. 

O setor industrial vem sofrendo com a falta de matérias-primas e produtos como microchips, o que gerou gargalos nas entregas e problemas de produção na indústria automobilística. 

Enquanto isso, a inflação bateu nos 6% no mês passado, o maior nível desde o começo dos anos 90. Especialistas agora acreditam que a Alemanha poderá levar mais tempo para retornar aos níveis pré-pandemia de crescimento econômico, em relação ao restante da zona do euro. 

Grupos empresariais também temem que as novas e duras restrições às pessoas não vacinadas, adotadas no mês passado, possam afetar a atividade de consumo no período que antecede o Natal. 

3. Cumprir as metas climáticas e manter as luzes acesas. As ambições do novo governo ficam evidentes em seus planos de combate às causas das mudanças climáticas. O plano é aumentar significativamente a capacidade de geração de energias renováveis, abandonar a energia gerada pelo carvão até 2030 – oito anos antes do originalmente planejado – eliminar os carros movidos a gasolina e a diesel e ter 15 milhões de veículos elétricos nas estradas alemãs até o fim desta década. 

Mas alguns especialistas vêm questionando como o país conseguirá manter as luzes acesas assim que todas as suas usinas nucleares e as movidas a carvão forem fechadas. Será preciso construir milhares de novas turbinas eólicas e painéis solares, novas e extensas redes elétricas e uma série de usinas elétricas movidas a gás. 

Na verdade, fala-se de um iminente “déficit de eletricidade”, com consumidores industriais e residenciais enfrentando a possibilidade de escassez de energia e aumento dos preços. O novo governo terá de descobrir como preencher esse déficit e alcançar as metas verdes sem colocar em risco a economia alemã, que é voltada para as exportações. 

4. Desafios de política externa. Dias antes de o novo governo da Alemanha tomar posse, o presidente dos EUA, Joe Biden, alertou os países aliados que a Rússia pode estar prestes a invadir a Ucrânia. A Alemanha, juntamente com outros países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, a aliança militar ocidental) e da União Europeia (UE), acredita nessa avaliação e provavelmente concordará com novas e pesadas sanções se os russos realmente fizerem isso. 

Isso poderá ser um dos primeiros grandes testes à coesão da coalizão. Muitos no SPD estão inclinados a pegar leve com o presidente russo, Vladimir Putin, em contraste com os verdes, mais radicais. 

É provável que haja um debate sobre o que fazer com o Nord Stream 2, o gasoduto russo que atravessa o Báltico até a Alemanha, ao qual os verdes se opõem e o SPD apoia. Diferenças sobre como eventualmente punir a Rússia poderão ameaçar o período de “lua-de-mel” da nova coalizão. 

5. Investimento versus dívida. No mês passado Scholz prometeu a “maior modernização industrial da Alemanha em mais de cem anos” e sua coalizão parece determinada a investir bilhões de euros para tornar a economia da Alemanha mais ecológica e modernizar a infraestrutura do país. 

Mas o FDP insiste que também é preciso obedecer às rígidas regras fiscais alemãs – em especial o teto constitucional para novos empréstimos, o chamado freio da dívida. Resolver essa questão poderá ser um dos maiores desafios da coalizão. O plano de governo de 177 páginas oferece dicas de uma solução: muitos investimentos serão realizados pelo banco estatal de desenvolvimento KfW, a empresa de transporte ferroviário Deutsche Bahn e uma agência imobiliária federal, que será usada para construir novos prédios residenciais. 

O próximo ano ainda haverá uma oportunidade de ampliar o endividamento, enquanto durar a suspensão temporária do freio da dívida, medida tomada durante a pandemia. Mas as disputas entre os verdes pró-investimentos e a retidão pró-fiscal do FDP em relação as prioridades de gastos, parecem pré-programadas. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/12/09/novo-governo-alemao-tem-5-grandes-desafios.ghtml

Comentários estão desabilitados para essa publicação