Montadora da China mostra interesse pela Fiat

Sobra pouco tempo para a Fiat Chrysler. A fabricante de automóveis está em busca de um comprador para assumir a companhia antes da aposentadoria de Sergio Marchionne, em 2019.

Marchionne, que salvou a Fiat de uma quase falência em 2004 e fundiu suas operações com a Chrysler em 2009, criando o sétimo maior fabricante automobilístico do mundo, há muito tempo argumenta que os fabricantes de automóveis precisam consolidar-se para sobreviver às necessidades de financiamento para o desenvolvimento de novas tecnologias, como carros elétricos e autônomos.

A família Elkann, maior acionista da empresa, tem diversificado os negócios de tal maneira fora tanto da Itália como do setor automobilístico, concentrando-se em outros negócios, que isso poderá pressionar ainda mais Marchionne a encontrar um comprador, como mostrou matéria do Financial Times, assinada por Peter Campbell, publicada no Valor de 22/08.

Agora, depois de malsucedido em cortejar várias empresas, como a General Motors e a Volkswagen, surgiu um comprador em potencial – a chinesa Great Wall.

Embora alguns analistas julguem que a Great Wall não seja suficientemente grande para adquirir a Fiat Chrysler, parece que, para o executivo-chefe Marchionne, a melhor chance de uma venda pode vir da China.

“A China é basicamente a última esperança de Sergio para fechar um negócio”, afirma um analista que cobre os fabricantes de automóveis chineses.

Ao mesmo tempo, esses fabricantes, confrontados com um cenário cada vez mais competitivo e a perspectiva de consolidação, buscam também um crescimento internacional – algo que seria bastante facilitado pelo controle de uma grande marca num mercado dos carros em que essa marca tem grande peso.

“Para um comprador chinês, [essa compra] pode ser a única chance de entrar no grande clube”, diz Philippe Houchois, analista da Jefferies. “Não há muitos fabricantes de automóveis globais interessados em ser adquiridos”.

A Great Wall declarou seu interesse na segunda-feira. “Sempre tivemos interesse e intenção de adquirir a FCA”, disse a companhia ao “Financial Times”.

Mas, de acordo com a Fiat Chrysler, os chineses não entraram em contato com a empresa: “A Fiat Chrysler Automobiles confirma não ter sido abordada pela Great Wall Motors em relação à marca Jeep ou qualquer outro assunto relacionado ao seu negócio”.

Alguns analistas também acreditam que seria mais sensato para a Great Wall comprar apenas a marca Jeep da Fiat Chrysler, embora Marchionne queira um comprador para o grupo inteiro.

Os rumores sobre essa aquisição agitaram os mercados. As ações da Fiat Chrysler subiram 7%, para € 11,44 e as da Great Wall, 3%, para 13,25 yuans.

Mas as esperanças de altas adicionais poderão durar pouco, pois uma venda aos chineses enfrentaria um obstáculo político gigantesco. “Você pode realmente imaginar-nos vendidos para os chineses enquanto Donald Trump estiver na Casa Branca?”, diz um alto funcionário da FCA, que pediu para não ser identificado.

Michael Dunne, um consultor que atua no mercado automotivo americano e é especialista em indústria automobilística chinesa, diz que um acordo seria politicamente difícil. Mas um comprador chinês poderia ter êxito por meio de um aumento de controle ao longo do tempo.

Houchois, da Jefferies, sugere que Trump poderia também ser persuadido de que um comprador chinês seria positivo para os empregos nos EUA – um tema que é uma obsessão para o presidente.

Um dos principais advogados em Washington com vínculos com o governo Trump acrescenta que o presidente não se opõe a que empresas estrangeiras invistam em empresas americanas.

“Trump está descontente com o déficit comercial entre a China e os EUA”, diz. “[Mas] o presidente receberá de braços abertos todo tipo de investimento nos EUA, desde que apoiem a promessa de “America First”.

Qualquer intenção de compra da Fiat Chrysler será também provavelmente avaliada pela Comissão de Investimento Estrangeiro (Cfius, em inglês) nos EUA, uma entidade que veta decisões diante de qualquer ameaça à segurança nacional.

Os rumores estão circulando em meio a manifestações do Congresso e de algumas figuras no governo Trump para que ele seja mais rigoroso em relação a investimentos chineses.

‘Você pode realmente imaginar­nos vendidos para os chineses enquanto Trump estiver na Casa Branca?’

As regras da Cfius hoje permitem somente a revisão de um negócio com qualquer ligação militar como contratos de fornecimento ao Exército dos EUA, ou a proximidade de fábricas da FCA de bases militares, ou, ainda, quando envolve tecnologias sensíveis.

Mas o fato de a companhia já ser tecnicamente de controle estrangeiro depois da fusão da Fiat com a Chrysler em 2009 pode complicar mais qualquer tipo de escrutínio. Outro problema é o governo da Itália, que também protege há muito tempo suas empresas nacionais. A FCA tem suas ações negociadas em bolsas na Itália e nos Estados Unidos.

Além disso, há a questão dos financiamentos. A FCA tem um valor de mercado próximo de € 17 bilhões e um endividamento industrial líquido de cerca de € 4 bilhões, bem como mais de € 9 bilhões em obrigações previdenciárias.

A Great Wall tem um valor de mercado de 120,9 bilhões de yuans (US$ 18,1 bilhões) e um caixa líquido de cerca de € 400 milhões, o que a torna pequena demais para adquirir o negócio com capital próprio. Levantar mais dinheiro junto ao governo chinês seria possível para estimular um “takeover”.

Também é possível que a FCA, descrita por um analista como “um conglomerado disfuncional”, possa ser dividida para extrair o máximo valor possível.

Marchionne já disse antes que a Jeep e a Ram são financeiramente fortes o suficiente para formar sua própria companhia, embora recentemente ele tenha sugerido que a Alfa Romeo e a Maserati poderiam fazer um desmembramento para criar uma nova companhia de carros de luxo, comparável a uma Porsche italiana.

Recentemente, o analista Adam Jonas, do Morgan Stanley, calculou que, sozinha, a Jeep vale mais que a FCA inteira.

Uma fonte do alto escalão da FCA diz que a venda da Jeep tornaria mais difícil para ela se desfazer do resto do negócio, que é o objetivo final de qualquer acordo.

Mas para gerar o valor que ela deseja, a companhia poderá ser forçada a se dividir ou ser vendida para um comprador de segunda linha.

A busca da FCA por um comprador já exauriu quase todas as opções não chinesas. A companhia escreveu para a General Motors mencionando um acordo em 2015, mas teve sua sondagem rejeitada. A executiva-chefe Mary Barra não quis nem mesmo se encontrar com Marchionne.

Mais recentemente, Marchionne disse publicamente que consideraria a Volkswagen um comprador adequado. Apesar do tamanho da montadora alemã, alguns analistas, amenizam os problemas antitruste uma vez que os pontos mais fortes da FCA – os grandes utilitários esportivos e as picapes no mercado norte-americano – são visivelmente ausentes da carteira da VW.

Mas os problemas da Volks com o diesel, que ressurgiram com a companhia enfrentando uma investigação sobre uma suposta conspiração com outras montadoras alemãs, tornam o negócio uma possibilidade menos atraente, e restringem o apetite da companhia por uma expansão agressiva.

Outras montadoras também já foram contatadas. Executivos de altos escalões da Geely, Tata Motors e PSA já se reuniram com a FCA nos últimos meses, segundo várias fontes.

A companhia também manteve reuniões em que discutiu o compartilhamento de tecnologia com várias outras empresas, numa tentativa de obter os ganhos de escala para investir em novos projetos, evitando, ao mesmo tempo, as complicações de um negócio envolvendo o controle acionário total.

Mas o problema é cada vez maior para Marchionne, uma vez que a lista de companhias que restam para ele fazer contato, é agora muito pequena.

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