Liderança de Xi sai arranhada com a pandemia

Onde está Xi? Em meio à pandemia de covid-19, na pior crise política que o presidente Xi Jinping enfrenta em sete anos no poder, a manchete do jornal “New York Times” na primeira semana de fevereiro ilustrava a questão que era feita mais veladamente na China. 

Após ter saído de cena no período mais crítico, Xi teve que reaparecer quando cresciam questionamentos sobre sua liderança, medidas inadequadas, fraco julgamento quanto à dimensão do surto. 

Agora a constatação de certos analistas, como Minxin Pei, do “China Leadership Monitor”, do Hoover Institution, na Universidade de Stanford, é clara: embora tenha conseguido limitar estragos à sua autoridade, Xi terá dificuldade em confrontar as consequências econômicas e geopolíticas da pandemia no médio e longo prazo. 

Para Minxin Pei, a covid-19 foi uma ameaça política potencialmente letal para Xi, somando-se a outras crises, como a guerra comercial com os EUA, escalada na rivalidade estratégica com Washington e as manifestações anti-Pequim em Hong Kong. 

A reação de Xi a essas crises já tinha levantado dúvidas entre elites política e econômica da China a respeito de sua liderança e discernimento. 

“Não é exagero afirmar que o futuro político de Xi dependerá de como ele liderou a luta contra a pandemia”, escreve Pei, que reconstruiu a cronologia das ações de enfrentamento da pandemia. 

As aparições públicas e viagens de Xi em meados de janeiro não mostraram indicação de alarme ou da necessidade de uma forte reação às informações de um novo vírus misterioso em Wuhan. 

Até que, em 19 de janeiro, dois importantes epidemiologistas, Zhong Nanshan e Li Lanjuan, retornaram de Wuhan e relataram a Ma Xiaowei, chefe da Comissão Nacional de Saúde, sobre a gravidade da situação e que o vírus se transmitia de pessoa a pessoa. No dia seguinte, o Comitê Executivo do Conselho de Estado, sem Xi, que estava em Yunnan, anunciou medidas para conter o vírus. 

No dia 25, no primeiro dia do novo ano chinês, houve uma reviravolta na resposta à crise sanitária pelo Politburo, o principal órgão de decisão do Partido Comunista Chinês (PCC), com forte mobilização contra a doença. Mas Xi continuou fora de cena. O premiê Li Keqiang foi encarregado de dar as respostas imediatas do governo, algo visto como manobra para poupar Xi de eventual acusação de culpado numa piora da crise. 

Durante mais de duas semanas, Li dominou a cena, visitou Wuhan, reuniu-se com cientistas, a ponto de ofuscar o chefe supremo. Quando Xi reapareceu em público, já era grande a irritação popular sobre revelações de intimidação pela polícia de Wuhan contra Li Wenliang, um dos primeiros médicos a alertar sobre o novo vírus. 

Pei nota que Xi reapareceu em 10 de fevereiro com visita a dois bairros de Pequim e centros médicos. A mídia estatal deu enorme destaque para demonstrar que Xi estava no comando. Ele substituiu os chefes do partido na Província de Hubei e em Wuhan por fiéis mais próximos. E aumentou contatos com líderes estrangeiros. 

No dia 23 de fevereiro, Xi fez um longo discurso numa reunião virtual com 170 mil líderes do PCC, na maior participação na história do partido. Para reverter a percepção de fraca resposta inicial do governo à crise sanitária, Xi impôs um novo ritmo e, em 10 de março, visitou Wuhan, num simbolismo de sua vitória. O número de casos e mortes diminuiu progressivamente, e a China retomou as atividades gradualmente.

Pei ressalta no estudo a vulnerabilidade de Xi a críticas sobre seu pobre julgamento e o perigo da lentidão com que a burocracia chinesa reage a crises como da covid-19. Avalia que Xi alimentou ressentimentos dentro do PCC por tomar para si os louros da luta contra a pandemia, apesar de sua atuação retardada na crise. Ele retomou investigações anti-corrupção para intimidar potenciais adversários. 

Como nota Pei, é impossível a um membro do PCC criticar abertamente Xi. Mas três conhecidos dissidentes conseguiram grande repercussão atacando o poder chinês. Xu Zhiyong, que já tinha ficado preso quatro anos, postou uma carta na internet conclamando Xi a se demitir, citando seu estilo autocrático, políticas erradas, respostas incompetentes à crise do coronavírus. Em seguida foi preso em Guangzhou. Xu Zhangrun, professor de direito na Tsinghua University, fez uma crítica devastadora contra o PCC e, sem citar Xi, chamou a liderança do país de desastrosa. Está em prisão domiciliar. 

O ataque mais virulento veio de Ren Zhiqiang, ex-empresário no setor imobiliário. Além de questionar censura às informações iniciais sobre o vírus, Ren disse que Xi não era “um imperador mostrando suas novas roupas, mas um palhaço que insiste em ser imperador”. Ele foi depois detido em Pequim por “violações de disciplina”. 

Para Pei, a grande mobilização do PCC contra o vírus após 25 de janeiro evitou um desastre maior, mas a pandemia afetou a imagem de Xi como líder forte e capaz. Mas críticas ao desempenho do presidente não enfraqueceram seriamente sua autoridade. No geral, a percepção é de que Xi cometeu “erros e omissões”, ou seja, não tomou logo as medidas necessárias. 

Xi não admitiu sua responsabilidade por erros iniciais no combate à pandemia. Mas as consequências econômicas e geopolíticas adversas da pandemia complicaram muito sua agenda ambiciosa e tornou quase impossível para ele apresentar um histórico de realizações significativas domésticas e internacionais como justificativa para um terceiro mandato no Congresso do Partido em 2022, avalia Pei. Lembra que historicamente os homens fortes com sólido controle das Forças Armadas e da polícia secreta raramente são derrubados por causa de uma única crise. Porém, sua autoridade e prestígio são progressivamente corroídos por uma sucessão de erros de políticas. Xi pode ter resistido à crise da covid-19 com estrago limitado no seu poder, mas os efeitos no longo prazo da pandemia provavelmente vão mais enfraquecer do que reforçar seu controle sobre a China. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/06/12/lideranca-de-xi-sai-arranhada-com-a-pandemia.ghtml

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