Em busca de lucro, Uber desativa cozinhas próprias

O Uber abandonou o plano de administrar suas próprias cozinhas de entrega de comida, eximindo-se de concorrer com seu fundador expulso Travis Kalanick. 

Desde novembro de 2018, o Uber geria uma “Eats Delivery Hub” em Paris, alugando espaço de cozinha para que donos de restaurantes preparassem comida para entrega para sua divisão Eats. Mas como parte de uma campanha para cortar custos e gerar lucratividade, a empresa, sem alarde, fechou a subsidiária no fim do ano passado. 

 “Neste momento, não temos o desejo de possuir, nós mesmos, imóveis”, disse Pierre-Dimitri Gore-Coty, diretor do Uber Eats, ao “FT”. “Tivemos alguns pilotos, mas não temos qualquer intenção, nesse momento, de dar início à nossa própria rede proprietária de “dark kitchens” [cozinhas compartilhadas para diversos restaurantes prepararem pratos para entrega], armazéns… ou como quiser chamá-los.” 

Nos últimos anos, várias startups e algumas das concorrentes do Uber em entrega de comida injetaram dinheiro em cozinhas que apenas atendem clientes de entrega, construindo instalações conhecidas como “cloud”, “ghost” ou “dark kitchens”. 

Algumas dessas empresas estão agora reexaminando seus modelos de negócios, num momento em que tanto os restaurantes quando os aplicativos enfrentam dificuldades de gerar lucros com entrega de comida. 

Kalanick, que levou para trabalhar com ele alguns de seus ex-colegas do Uber, expandiu rapidamente sua startup CloudKitchens nos Estados Unidos, Europa e Ásia, fazendo grandes gastos para adquirir espaços de armazém e convertê-los em cozinhas para entrega de comida. 

Mas um de seus principais colaboradores do setor de restaurantes voltou atrás, pouco convencido de que o modelo possa ao mesmo tempo produzir comida de qualidade e proporcionar retorno financeiro. 

“Acho que o único motivo pelo qual outras pessoas estão fazendo [cozinhas para entrega de comida] é porque estão vendo ele fazer isso”, disse Eric Greenspan, famoso “chef” e empresário do setor de restaurantes em Los Angeles. “Travis dá as cartas.” 

Greenspan lançou vários conceitos de restaurante com a CloudKitchens, ao emprestar seu rosto para o site da empresa como meio de atrair mais pessoas como ele. 

Mas, desde então, rompeu os laços, dizendo que é difícil usar uma “cloud kitchen”, sem uma fachada de loja, para atrair negócios, a não ser que se ofereça uma marca já conhecida – como uma rede nacional de “fast-food” – ou que se gaste muito em marketing a fim de obter boas colocações nas buscas de produtos como “pizza”. “Não é o que me interessa como ‘chef’ ou como empreendedor”, disse. 

O Uber afirmou que vai se concentrar em convencer os restaurantes já operantes a criar novos cardápios e novas marcas a serem preparados no mesmo endereço. Por exemplo, uma instalação, em San Francisco, da rede Umami Burger usa a mesma cozinha para preparar comida para a Sam’s Crispy Chicken, uma marca operante apenas em aplicativos de entrega de comida. 

Mas sua concorrente, a DoorDash, disse que sua primeira cozinha para entregas, inaugurada em outubro em Redwood City, na área da baía de San Francisco, opera atualmente a plena capacidade com seis inquilinos, principalmente célebres restaurantes de San Francisco, bem como o nacionalmente conhecido Chick-fil-A. 

Outras startups de cozinhas voltadas para entrega dobraram as apostas na atividade. 

A Reef, anteriormente conhecida como ParkJockey, opera milhares de estacionamentos para automóveis em toda a América do Norte. Após estudar a possível transformação desses locais em centrais de recarga elétrica para veículos ou patinetes, a Reef agora acelerou planos de instalar cozinhas para entregas de comida, após a pandemia ter desativado as refeições feitas fora de casa na maioria dos restaurantes. Ari Ojalvo, executivo-chefe da Reef, diz que a empresa tem mais de 90 cozinhas em plena atividade, que quase dobraram durante a pandemia. 

“Nos próximos quatro ou cinco anos, estudamos a possibilidade [de controlar] vários milhares” de instalações desse tipo. “A covid possibilitou um experimento gigantesco sobre o que acontece se todo mundo mudar para uma economia sob demanda.” 

A Reef se decidiu por um modelo de negócios pelo qual ela obtém a licença de marcas e receitas de donos de restaurantes, por um percentual de um só dígito do preço de um prato, para preparar encomendas para entrega usando seus próprios fornecedores de alimentos e seu próprio quadro de funcionários. 

“Somos a operadora, produzimos dentro dos requisitos de qualidade deles”, disse Ojalvo. “Esse é o modelo de que mais gostamos e no qual mais acreditamos para o futuro do negócio.” 

Para estimular sua expansão, a Reef está atualmente em negociações com investidores para captar centenas de milhões de dólares em novos investimentos, disse Ojalvo, a uma avaliação significativamente mais alta” do que quando o SoftBank investiu, no fim de 2018, a um preço superior a US$ 1 bilhão. 

Corey Manicone, executivo-chefe da startup Zuul, disse que a pandemia fez com que “todo restaurante se transformasse numa cozinha-fantasma [‘ghost kitchen’] da noite para o dia”, e os donos de restaurantes se perguntam atualmente se poderão usar o mesmo modelo para expandir-se para novas áreas. 

Além de alugar espaço de cozinha, a Zuul planeja oferecer uma linha de serviços mais ampla a seus inquilinos. Está fornecendo software para que os restaurantes possam receber encomendas diretamente em seus sites, contornando as tarifas dos aplicativos de entregas. “Ao internalizar a tecnologia, a ideia é puxar a demanda das marcas para margens melhores”, disse Manicone. 

Cada um desses enfoques para as “dark kitchens” é uma tentativa de arrancar novas vantagens no campo das relações preço-lucro da entrega de comida pedida pela internet. Um setor que ainda não gerou qualquer verdadeiro vencedor, em que os entregadores se sentem explorados pela baixa remuneração, os restaurantes se consideram ludibriados pelas altas taxas de comissão e as plataformas tecnológicas torram rios de dinheiro para garantir participação de mercado. 

Greenspan, o “chef” e escritor, disse que os esforços de Kalanick e de seus concorrentes são “superinteligentes”, mas que o sucesso com as “dark kitchens” provavelmente implicará deixar aclamados donos de restaurante como ele para trás. 

“Eu simplesmente acho que estamos em um setor de atividade diferente”, disse ele. “Eles estão em um setor de instalações, de domínio mundial. Eu só quero fazer um ótimo sanduíche de frango frito para as pessoas.” 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/06/15/em-busca-de-lucro-uber-desativa-cozinhas-proprias.ghtml

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