Sedução cultural

Iasmin Paiva e Sophia Olegário – alunas do curso de Jornalismo da ESPM-SP 

A cultura é um dos principais, se não o principal, patrimônio de um povo, uma vez que contribui para a coletividade e identidade do mesmo, sem ela, as relações sociais são enfraquecidas e o grupo fica mais vulnerável a crises internas, ou externas. Por esse motivo, a destruição da cultura (ou limpeza cultural) é uma forma extremamente eficaz de domínio entre povos ou nações, sendo uma estratégia amplamente utilizada em diferentes momentos da história como prática imperialista. 

O professor e antropólogo, Eduardo Benzatti, afirma que para dominar outra nação existem duas formas,  “falando de forma grosseira, você pode eliminar todos os seus cidadãos, o que é algo muito trabalhoso, ou você pode destruir a cultura do povo”. Ele ainda usa como exemplo os povos indígenas sul americanos, cujo núcleo cultural, ou seja, o idioma, os mitos ou a visão de mundo, foi proibido pelos portugueses, com a intenção de desmoralizar e destruir grupos inteiros como forma de dominação.

Historicamente, os Estados Unidos assumiram uma posição de império desde o final da Segunda Guerra Mundial, no século XX. Os artifícios que permitiram essa “conquista” no pós-guerra, foram principalmente os meios de comunicação, em especial o rádio e a televisão, que serviram para dar continuidade a propaganda do estilo de vida simpático norte-americano: o “American way of life”, iniciado por Franklin Roosevelt na década de 1930. 

Tal campanha impôs um modelo de organização que buscava a hegemonização da cultura mundial, um fenômeno que permitiu que a Indústria Cultural americana se infiltrasse e dominasse a cultura de diversas nações mundiais. Benzatti explica que esse tipo de dominação vai acontecendo aos poucos, a partir de elementos cotidianos, como a forma que nos comportamos ou nos relacionamos com as pessoas e o imaginário fílmico dos cinemas, séries e músicas. 

Nesse sentido, os Estados Unidos distribuiu a imagem do sonho americano, uma ideia muito popular no país desde a colonização dos Pais Peregrinos, a qual proclama: “todos os homens são criados iguais, com direito à vida, liberdade, propriedade e a busca pela felicidade.” Até hoje, pessoas do mundo todo se esforçam para realizar esse “sonho” das propagandas, que fazem buscar carros, roupas, casas, objetos para ostentar algum status social. Alguns exemplos disso são as propagandas do Mcdonald’s ou da Coca-Cola, que pregam, no mundo todo, uma ideia de família, felicidade e sucesso profissional. 

A indústria hollywoodiana nas décadas de 1940 e 1950 foi outro meio ideal de propagar ideias e comportamentos. Com o poder de alcance dos filmes, o novo modelo de vida americana chegou a outros países, além de também alimentar a visão do próprio norte-americano, que começaram a ter uma imagem idealizada de seu país. O professor de antropologia justifica esse processo pelo fato de nosso inconsciente ser extremamente influenciável quando se trata do imaginário coletivo. 

Entretanto, algumas regiões do mundo não são tão influenciadas pelos valores americanos. Os países orientais, por exemplo, nem sempre são receptivos aos valores americanos, uma vez que suas tradições são muito distintas dos valores ocidentais, o que provoca certa hostilidade por parte de algumas nações. Karl Marx, ao explicar a formação do capitalismo, entendia que os povos do Oriente estariam abaixo da Europa em uma escala evolutiva. 

A rivalidade entre o ocidente e oriente existe há muito tempo e foi motivo de tensões em vários períodos da história.  Um momento em que isso fica evidente é no século XIX, durante a expansão imperialista europeia. A capacidade do continente, devido às conquistas ao longo dos séculos com base na exploração, era inegável e não oferecia condições de enfrentamento. Com o colonialismo, a América, a Ásia e a África foram impostas a cultura da Europa Ocidental, disseminando cada vez mais e, no entanto, provocando ressentimento por parte de diferentes países no mundo. 

A China é um grande país oriental onde a dominação europeia provocou uma desconfiança com os valores ocidentais quase irreversível pela nação. Depois de vivenciar duras guerras para acabar com o vício em ópio, uma droga introduzida propositalmente no território chinês pelos britânicos, com o objetivo de desestabilizar a ordem social vigente.  Desde essa crise, a sociedade chinesa passou grande parte do século XX “fechada” enquanto o mundo acompanhava o desenvolvimento do processo de globalização. 

Justamente por esse histórico, foi tão surpreendente quando, depois da crise de 2008, a China se ergueu no cenário internacional como uma potência muito poderosa e influente. Atualmente, a China é a principal investidora do continente africano, em 2018, anunciou mais de US$60 milhões no continente e segue estimulando suas empresas a colocarem dinheiro nesses países. Além disso, a Nova Rota da Seda, um simbólico sonho chinês de expandir suas rotas comerciais pelo mundo todo, está se tornando uma realidade cada vez mais possível. 

A comunidade global enxerga isso como um novo tipo de colonialismo, entretanto, quem sente o silencioso crescimento chinês não tem a mesma reação de 50 anos atrás, quando acreditava ser ótimo abrir unidades de lojas americanas em sua cidade. O novo “império” chinês não é tão glamuroso quanto o universo de Hollywood, ao contrário, ele não tenta convencer o mundo ocidental da qualidade de sua cultura mas, de maneira prática e objetiva, se adapta ao sistema vigente e se sobressai diante das outras nações. 

Apesar de manter um comportamento essencialmente diferente dos impérios ocidentais, a China não é menos ambiciosa do que eles, e o documentário de 2020 Indústria Americana mostra que as empresas chinesas levaram a produtividade capitalista para um novo padrão. Sendo assim, mesmo que aparentemente desinteressada do valor cultural das nações do mundo, a limpeza cultural faz parte da história da humanidade, e a potência chinesa pode optar por utilizar dessa estratégia se julgar necessário. Nesse contexto, é importante lembrar que a nossa cultura é um dos nosso maiores patrimônios e, como o professor Benzatti explicou, pode ser facilmente seduzida e desmoralizada para garantir a manutenção de poder estrangeiro. Por isso, lutar pela nossa história e nossa memória coletiva é extremamente importante para manter a unidade e soberania nacional, assim como a nossa identidade pessoal enquanto parte de um povo. 

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