O estacionamento do lado de fora do prédio industrial está quase vazio, e o maquinário lá dentro está silencioso. Mas no ano que vem, se tudo der certo, essa fábrica ajudará a romper o domínio da China em um mercado global crítico.
A USA Rare Earth faz parte de uma tentativa tardia dos Estados Unidos de restabelecer uma cadeia de suprimentos doméstica para os ímãs de alto desempenho usados em produtos como drones, veículos elétricos, smartphones, dispositivos médicos e armas militares.
A empresa está correndo para estabelecer uma linha de produção, contratar várias dezenas de especialistas qualificados e ajustar suas fórmulas científicas enquanto se prepara para fabricar milhões de poderosos ímãs de neodímio, ou neo, no início de 2026.
Os riscos geopolíticos são preocupantes. A China domina o mercado de uma categoria de minerais conhecidos como “terras raras”, que são necessários para fabricar os ímãs, bem como para os próprios ímãs. Pequim exerceu esse domínio nas últimas semanas, quando privou as montadoras americanas dos suprimentos necessários, buscando alavancar as negociações comerciais com o presidente Donald Trump.
Muito tempo depois de terem cedido o mercado à China, as empresas americanas estão tentando recuperar sua relevância. No entanto, o estado embrionário da USA Rare Earth – a empresa abriu seu capital em março – e os obstáculos que se interpõem no caminho dela refletem uma verdade incômoda: levará anos até que os Estados Unidos consigam se livrar da dependência de seu principal adversário estratégico. E o governo federal deve estar fortemente envolvido para que essa mudança ocorra.
“Temos fontes futuras. Mas, nos próximos anos, o mundo está em uma situação difícil”, disse Joshua Ballard, CEO da USA Rare Earth. “Infelizmente, dependemos um pouco da China. Foi assim que ficamos nas últimas décadas, e vai demorar um pouco para sairmos dessa situação.”
Dentro da instalação de 28.800 metros quadrados da empresa em Oklahoma (EUA), que já abrigou prensas de impressão para a revista Rolling Stone, os contornos de uma operação de fabricação estão tomando forma.
Os técnicos cercam equipamentos imponentes, adquiridos de uma fábrica da Hitachi que desativou o hardware há uma década, após apenas 18 meses de uso. Ferramentas automáticas latem e zumbem enquanto os trabalhadores trabalham.
A USA Rare Earth está adotando uma abordagem cautelosa e em etapas para o crescimento. A empresa pretende começar a produzir ímãs a uma taxa anual de 600 toneladas métricas no início de 2026, antes de dobrar essa quantidade até o final do ano.
Daqui a alguns anos, espera-se que essa fábrica produza 5.000 toneladas métricas – ou centenas de milhões – de ímãs e gere uma receita anual de US$ 800 milhões, disse Ballard aos investidores no mês passado.
A USA Rare Earth assinou memorandos de entendimento com várias empresas dos setores aeroespacial e de fabricação de ferramentas, que querem ver se ela pode produzir ímãs que atendam a seus requisitos específicos.
O acordo mais recente foi firmado na semana passada, quando a Moog Electric Motion Solutions pediu à empresa que desenvolvesse protótipos de ímãs para uso nas bombas de refrigeração do centro de dados da Moog.
Quando a fábrica estiver funcionando, ela receberá barris de meia tonelada cheios de metais de terras raras de um fornecedor sul-coreano. As antigas máquinas da Hitachi usarão gás hidrogênio para enfraquecer os flocos de metal, antes de triturá-los em um pó grosso e depois pulverizá-lo com jatos de nitrogênio de alta pressão para criar um talco ainda mais fino.
A mistura sedosa será prensada em blocos compactos, cozida em um forno de alta temperatura e cortada em formas precisas usando fios revestidos de diamante.
Essa fabricação avançada não é nova, mas é exigente. Se os grãos de pó forem ligeiramente grandes ou pequenos demais, ou se o material for exposto ao oxigênio, mesmo que brevemente, o lote pode ser arruinado.
“Eu o chamo de um processo muito simples e complicado”, diz Alex Jech, gerente da fábrica. “A parte mais difícil dessa meta é apenas o tempo de execução. Temos muitos ‘Legos’ para montar, e eles precisam se encaixar corretamente.”
Jech, 40 anos, engenheiro mecânico com experiência em fabricação de plástico e papel de alto volume, entrou para a empresa em janeiro. Ele está morando em um motorhome enquanto tenta vender a casa da família em Joplin, Missouri.
Quando um recrutador corporativo o abordou sobre o trabalho, ele recusou a oferta, dizendo que a produção de ímãs em Oklahoma “parecia loucura”. Mas sua esposa o convenceu a considerar a possibilidade, e ele está feliz por isso.
“Pensando em papel e plástico, eles estão muito estabelecidos, são estáveis, são ótimos setores, mas não são empolgantes. Essa é uma oportunidade de fazer algo realmente único para o nosso país”, afirma.
Robert Fredette, diretor de operações de ímãs, estava quase pronto para se aposentar quando a empresa o chamou. Aos 62 anos, ele estava no setor havia tempo suficiente para se lembrar de quando uma dupla de cientistas japoneses e americanos inventou independentemente o primeiro neoímã no início da década de 1980.
Naquela época, os EUA lideravam a produção global de ímãs. Mas como a China surgiu como um produtor de baixo custo com amplo apoio estatal, o setor – e muitos outros – migraram para o exterior, uma tendência que Trump está determinado a reverter.
“Todas as pessoas que eu conhecia que eram boas foram embora, e algumas delas foram para a China para administrar fábricas de ímãs”, disse Fredette, conhecido na fábrica como “Magnet Bob” (Bob Ímã).
Os EUA vêm tentando há vários anos incentivar o desenvolvimento de alternativas às fontes chinesas de minerais de terras raras. Essas substâncias de ocorrência natural contêm um dos 17 elementos de terras raras, como o neodímio.
Entre as empresas americanas, a mais avançada é a MP Materials, que opera a única mina de terras raras em funcionamento nos EUA e se apresenta como a “campeã nacional”, dentro das aspirações de uma cadeia de suprimentos doméstica totalmente integrada.
A mina da MP Materials em Mountain Pass, Califórnia, cerca de uma hora a sudoeste de Las Vegas, recebeu US$ 45 milhões do governo Biden em 2022. A empresa espera iniciar a produção de ímãs ainda neste ano para a General Motors em uma instalação em Fort Worth.
A MP Materials deve capturar a maior parte da demanda de ímãs de grandes fabricantes como a GM, disse Ryan Castilloux, fundador e diretor administrativo da Adamas Intelligence em Toronto.
Mas a USA Rare Earth e outras empresas menores são necessárias para atender à demanda por ímãs especializados se os EUA realmente quiserem estabelecer uma cadeia de suprimentos autônoma.
Nos mercados civil e de defesa, os ímãs industriais devem ser produzidos em um número quase infinito de formas e tamanhos e atender a requisitos variados para operar em temperaturas altas ou baixas e em outras condições adversas.
“Não é realista que um ou dois produtores possam cobrir todo esse espectro de demanda no curto prazo”, diz. “É por isso que esse ecossistema de fornecedores será tão importante.”
A abordagem deliberada da USA Rare Earth foi projetada para controlar os riscos. No entanto, os obstáculos que a empresa enfrenta são notáveis: encontrar trabalhadores talentosos em número suficiente para atender a uma cadeia de suprimentos que deixou os EUA há anos, obter apoio do governo e competir com os produtores de baixo custo da China.
Uma grande questão é a capacidade da empresa de comercializar os depósitos minerais que possui em Round Top Mountain, perto da fronteira com o México, a sudeste de El Paso.
A empresa estabeleceu que o local contém grandes quantidades de várias terras raras, incluindo os minerais “pesados” que são especialmente valiosos.
Em longo prazo, o plano é substituir as matérias-primas compradas da Coreia do Sul pelas terras raras da própria empresa. Essa cadeia de suprimentos “da mina ao ímã” é o Santo Graal do pensamento do setor.
Mas muitas das terras raras de Round Top são distribuídas em baixas concentrações. A empresa ainda não iniciou a produção de mineração e alguns analistas do setor duvidam que os minerais possam ser extraídos de forma lucrativa.
O controle férreo da China sobre o mercado de terras raras faz com que as questões de custo sejam uma consideração central, o que, segundo muitos analistas, exigirá que o governo federal intensifique seu envolvimento.
Talvez sejam necessários subsídios públicos para igualar o apoio que Pequim oferece a seus produtores.
“Estive bastante em Washington e conversei com muitas pessoas, tanto do lado executivo quanto das próprias agências”, disse Ballard, da USA Rare Earth. “E o que posso lhe dizer é que eles estão se desdobrando para resolver isso. Eles estão fazendo tudo o que podem para trabalhar com os recursos que têm ou para pensar em novos recursos para apoiar a construção desse setor.”
A urgência de Washington decorre do papel que o controle chinês dos suprimentos de terras raras está desempenhando na atual guerra comercial entre os EUA e a China.
Em abril, dois dias depois que Trump anunciou tarifas abrangentes sobre produtos importados, incluindo uma taxa de 34% sobre os produtos da China, o governo chinês anunciou novas restrições sobre suas exportações de terras raras.
O corte abrupto gerou alarme entre os fabricantes dos EUA que dependem de fornecedores chineses. A Ford, que usa ímãs chineses de terras raras em motores de limpadores de para-brisa, fechou sua fábrica de montagem em Chicago por sete dias, interrompendo a produção do Ford Explorer.
A crescente preocupação do setor ajudou a convencer as autoridades do governo Trump a retomar as conversas com diplomatas chineses sobre uma trégua na guerra comercial.
Após dois dias de reuniões em Londres, os dois governos concordaram em reverter as recentes medidas de guerra comercial – incluindo o embargo de terras raras da China – e retomar os esforços para chegar a uma solução abrangente.
Essas negociações mais amplas continuarão sob a sombra da influência das terras raras da China. Após o acordo de Londres, as autoridades chinesas começaram a conceder novas licenças de exportação para produtos de terras raras. Mas elas foram limitadas a apenas seis meses, o que significa que um novo corte se aproxima no final deste ano.
Isso explica por que Ballard e outros executivos do setor estão em contato quase constante com as autoridades do governo Trump sobre medidas destinadas a acelerar o fornecimento doméstico.
Em abril, Trump ordenou que o Departamento de Comércio investigasse as implicações de segurança nacional decorrentes da importação de minerais críticos e produtos feitos a partir deles, inclusive ímãs.
Essa investigação pode levar a novas tarifas, além daquelas ordenadas pelo presidente Joe Biden e programadas para entrar em vigor no próximo ano.
Trump também tomou medidas para acelerar o licenciamento de novas operações de mineração do tipo que a USA Rare Earth planeja para seu depósito de minerais no Texas.
As autoridades do governo estão estudando outras medidas, incluindo financiamento, créditos fiscais, compromissos de compra e estocagem de minerais, de acordo com analistas do setor.
“Dado o foco urgente do presidente na mineração de minerais críticos, este governo continuará a usar todas as ferramentas à nossa disposição para promover a resiliência da cadeia de suprimentos”, disse um funcionário sênior do governo, que falou sob condição de anonimato para descrever os objetivos de Trump
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