Cúpula do clima tem muito ainda para resolver

A rodada ministerial da Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP26), em Glasgow, começa hoje e deve decidir sobre uma série de tópicos que estão em aberto. Há muitas divergências. 

Não há consenso sobre o nível e a entrega de recursos financeiros, metas mais ambiciosas de corte de emissões, adaptação a eventos extremos e apoio aos países que sofrem as maiores perdas com a crise do clima. As regras do Acordo de Paris também são tópicos de tensão. 

“Greenwashing, para mim, é o novo negacionismo climático”, sintetizou Laurence Tubiana, enviada especial do governo francês para a COP21, que fechou o Acordo de Paris. “É a maneira fácil de escapar do problema dizendo ‘estamos fazendo isso’”, seguiu a economista francesa. 

Tubiana, personagem-chave na arquitetura do Acordo de Paris, critica a fragilidade dos compromissos net-zero que países e empresas anunciaram nos últimos meses. Embora reconheça que o esforço seja algo surpreendente, com mais de 130 países apresentando metas climáticas do gênero, Tubiana diz que é preciso ter planos de implementação ou a iniciativa se torna vazia. 

É a mesma ideia manifestada por Frans Timmermans, vice-presidente da Comissão Europeia, ontem em Glasgow. 

Para o político e diplomata holandês, “se não tivermos sucesso nesta COP agora, será difícil ver como poderemos reduzir metade das emissões em menos de dez anos”. Ele também diz que é hora de “acabar de definir as regras do jogo”, referindo-se a se chegar a um consenso em relação ao Livro de Regras do Acordo de Paris. 

Timmermans argumenta que é preciso chegar a uma padronização entre as métricas de emissões, tipos de gases e outros componentes das NDCs. “Está na hora de deixarmos de comparar laranjas com maçãs”, diz. 

“O balanço da primeira semana é de um otimismo cauteloso”, diz Fernanda Carvalho, coordenadora global de políticas, clima e energia do WWF Internacional. “Alguns tópicos avançaram, mas vemos muitos conflitos antigos ainda acontecendo”. 

A seguir, alguns dos tópicos em aberto e sem consenso na COP 26:

Ambição. A soma das atuais NDCs, os compromissos climáticos dos países, levam o aquecimento a um aumento de 2,7o C e não abaixo de 2o C ou 1,5o C. Ambição é também aumentar os volumes de financiamento. 

Financiamento. A transformação da economia e a segurança da vida das pessoas em cenários de crise climática exigirão muitos recursos financeiros. Em 2009, os países mais industrializados prometeram mobilizar US$ 100 bilhões ao ano para os países em desenvolvimento a partir de 2020. Essa meta não foi cumprida e provavelmente só será em 2023. Isso cria desconfiança e desapontamento entre os países em desenvolvimento. 

A África do Sul submeteu a proposta de o financiamento climático ser de US$ 750 bilhões ao ano a partir de 2025. O grupo dos países africanos quer US$ 1,3 trilhão. O processo tem que ser aberto em Glasgow, mas os países industrializados dizem que o grupo de doadores tem que ser ampliado. 

EUA e a União Europeia querem que esta demanda seja incorporada ao fundo de adaptação e não aceitam a vinculação direta entre sua responsabilidade com a emergência climática e a compensação pelas perdas de povos. O tema avança a passos lentos e há muita insatisfação. 

Até hoje apenas um país, a Escócia, destinou recursos, mesmo que simbólicos – 1 milhão de libras – a Perdas e Danos. 

Adaptação. Há enorme desequilíbrio entre os recursos destinados à mitigação dos gases-estufa e à adaptação aos eventos extremos e aos impactos do clima. 

Um relatório divulgado na primeira semana da COP26 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) demonstrou que os custos são de cinco a dez vezes maiores que os atuais fluxos de recursos públicos. 

Uma das demandas é que as transações dos mercados de carbono do artigo 6 sejam taxadas para criar uma nova fonte de recurso para o Fundo de Adaptação. 

Artigo 6. É o artigo dos mercados de carbono, mas não só – um de seus subitens fala na necessidade de criação de algum mecanismo que não seja de mercado. 

O artigo 6, o mais famoso do Livro de Regras do Acordo de Paris criado nos últimos minutos da negociação da COP21, se subdivide em três artigos. Um deles permite comércio de redução de emissões de gases-estufa via créditos de carbono entre países. O outro prevê o mesmo sistema, mas o comércio ocorre entre empresas. 

Ambos exigem “ajustes correspondentes” ou seja – se um país que conseguiu reduzir mais emissões do que sua meta vende a diferença para outro, ambos têm que ajustar suas NDCs para cima ou para baixo, conforme a transação. 

O Brasil concordava com o ajuste entre países, mas discordava do mecanismo no comércio. 

MDL. É o antigo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, do Protocolo de Kyoto. Países ricos tinham metas e os em desenvolvimento, não. Os industrializados bancavam projetos de redução de emissões nos países mais pobres em troca de créditos de carbono. Ainda existe um saldo de projetos e créditos do gênero a serem transportados para o novo sistema, do Artigo 6. Mas há muita resistência nesta operação. 

Transparência. Outro tópico do Livro de Regras trata de padrões e métricas que possam ser uniformizados e permitir a comparação de NDCs entre países, além de sua evolução. Tema técnico e muito controverso. Países em desenvolvimento querem recursos, prazos maiores e capacitação para atenderem à exigência. 

Prazos comuns. As NDCs dos países têm períodos diferentes. A maioria define prazos de dez anos. A do Brasil e a dos Estados Unidos é de cinco anos. Dez anos é um tempo enorme na urgência das respostas climáticas. Alguns países resistem à ideia de ter que definir metas e compromissos com mais frequência. 

https://valor.globo.com/mundo/cop26/noticia/2021/11/09/reta-final-da-cupula-do-clima-tem-muito-ainda-para-resolver.ghtml

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