Europa dará impulso à energia nuclear classificando-a como ‘verde’

União Europeia (UE) prepara-se para decidir, até o fim deste ano, se a energia nuclear é uma energia “verde”, confirmou uma porta-voz europeia ao Valor, em meio à batalha pró e antinuclear entre os 27 países-membros do bloco. A questão ganha mais importância com a urgência climática reiterada na Conferência do Clima (COP26). 

A Comissão Europeia, braço executivo da UE, deve decidir sobre o destino a ser dado à energia nuclear e ao gás na taxonomia, ou seja, na classificação das atividades econômicas em função de suas emissões de CO2 e de suas consequências para o meio ambiente. Trata-se de definir um limite de emissões de gases de efeito estufa abaixo do qual uma atividade seria considerada “verde”. 

Está em jogo com essa decisão o acesso ao financiamento verde, um pacote de € 250 bilhões (R$ 1,6 trilhão) da UE até o fim de 2026, em investimentos públicos e privados para apoiar a descarbonização da economia. 

A França defende a energia nuclear como sustentável ambientalmente. Os franceses precisam de recursos para renovar seu parque nuclear envelhecido, que representa 67% de sua energia, e financiar minireatores. A França é ainda o principal fabricante europeu de usinas nucleares. 

Paris formou uma aliança com vários países do Leste, incluindo Polônia, Hungria, Romênia e Bulgária, atrasados no desenvolvimento ambiental. Para o ministro francês da Economia, Bruno Le Maire, a alta recente do preço da energia mostra a importância de reduzir rapidamente a dependência energética de países estrangeiros. Para ele, as tensões no fornecimento de energia serão mais e mais frequentes. “Não temos outra escolha que a de diversificar nossas fontes de abastecimento, fazendo atenção a não aumentar nossas importações de energia.” 

No lado oposto, a Alemanha é visceralmente antinuclear e tem apoio de vários países, como Áustria, e de organizações não governamentais influentes. Mas esse grupo não pode se opor à Comissão Europeia se esta decidir que o nuclear é uma energia limpa. 

A presidente da Comissão, a alemã Ursula von der Leyen, recentemente defendeu mais uso de energias renováveis como eólica e solar, ao mesmo tempo em que defendeu que “temos necessidade de uma fonte de energia estável, o nuclear, e, durante um período de transição, também o gás”. 

Antes da COP26, duas agências das Nações Unidas alertaram que os objetivos de descarbonização do sistema energético global e das indústrias intensivas em energia não serão alcançados se a energia nuclear for excluída. 

Para a Comissão Econômica da ONU para a Europa (Unece), “a energia nuclear tem o potencial de aumentar sua integração com outras fontes de energia de baixo carbono em um futuro mix energético descarbonizado”. 

A energia nuclear fornece atualmente 20% da eletricidade gerada na Europa e 43% da geração com baixo teor de carbono. Vinte países operam atualmente usinas nucleares e quinze países têm novos reatores em construção ou desenvolvimento. 

Sete países estão desenvolvendo programas de energia nuclear pela primeira vez. Já a Bélgica e a Alemanha anunciaram a eliminação progressiva do nuclear em 2025 e 2023, respectivamente. 

Cerca de 292 reatores estão em operação na Europa. Mais de 70 reatores foram fechados desde 2000 por razões políticas, econômicas ou técnicas, na maioria dos casos, substituídas, pelo menos em parte, por plantas de combustíveis fósseis, “um retrocesso para os esforços de mitigação da mudança climática”, diz a Unece. 

Para a agência da ONU, a energia nuclear é uma opção de custo competitivo para a geração de eletricidade em muitas partes do mundo. Os custos iniciais variam de US$ 5 bilhões US$ 10 bilhões para grandes usinas. Futuros “microrreatores” serão mais fáceis de financiar e apoiar a interação tecnológica com a energia renovável, segundo a Unece. 

Mas o analista suíço Pierre Veya contesta: “Em razão de exigências técnicas e de segurança que ela implica, a energia nuclear é muito onerosa. E se ignora também o custo astronômico de desmantelamento de centrais nucleares. Hoje, o nuclear não é competitivo”. A avaliação é de que o solar, eólico e hidrogênio são energias muito mais rápidas a instalar. 

Já a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) prevê que a capacidade global de energia nuclear pode dobrar até 2050. “A energia nuclear continuará a desempenhar um papel fundamental na produção de energia de baixo carbono”, disse Rafael Mariano Grossi, diretor-geral da AIEA. “As conclusões do relatório são encorajadoras, pois mostram uma crescente consciência de que a energia nuclear, que não emite dióxido de carbono durante a operação, é absolutamente essencial para alcançar a neutralidade de carbono.” 

Cerca de dois terços dos reatores nucleares estão operando há mais de 30 anos. Embora a operação de várias usinas nucleares tenha sido estendida para 60 ou 80 anos, é necessário um grande número de novas usinas para manter a atual participação dessa energia no mix energético. Existem incertezas sobre a substituição de reatores, particularmente na Europa e na América do Norte, constata a AIEA. 

https://valor.globo.com/mundo/cop26/noticia/2021/11/10/ue-pode-dar-novo-impulso-a-energia-nuclear-classificando-a-como-verde.ghtml

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