Começam a surgir os cargos divididos e a semana de quatro dias

Carolina Mazziero e Liana Fecarotta, ambas diretoras de recursos humanos da Unilever, estão trabalhando somente três dias por semana— ao invés dos tradicionais cinco — desde abril. Assim como a jornada, o salário das duas profissionais também foi reduzido, e agora elas recebem 60% do que ganhavam antes. “Trabalhando 60% do tempo, as duas recebem 60% do salário e os benefícios seguem a mesma lógica”, explica Luciana Paganato, vice-presidente de recursos humanos da multinacional.
Não se trata de uma redução forçada da jornada em função de um corte de custos da empresa. Trabalhar menos foi uma escolha das duas executivas, que agora compartilham o mesmo cargo e se dividem entre as tarefas da função, em um modelo que a Unilever está chamando de “job sharing” ou cargo compartilhado.
Pela organização feita, nenhuma das duas trabalha às sextas-feiras e há dois dias na semana em que Carolina e Liana estão simultaneamente na companhia para alinhar o trabalho e fazer reuniões presenciais com a equipe.
A ideia do “job sharing” surgiu de uma conversa entre as duas diretoras. Elas estavam passando por um momento de vida em que gostariam de ter mais tempo para se dedicarem aos filhos e aos estudos. Carolina, que tem dois filhos, estava prestes a voltar de licença-maternidade, e Liana, também mãe de dois, gostaria de ter mais tempo para a família e os estudos. Juntas, começaram a imaginar como seria dividir a mesma função e trabalhar menos. “Nós já havíamos tido contato com profissionais da companhia em outros países que faziam “job sharing” e sabíamos que era possível. Então, quando elas me trouxeram a ideia, recebi a sugestão positivamente”, diz Luciana. “Fizemos algumas consultas internas para pensar em como estruturar o novo modelo, montei a proposta, apresentei para o ‘board’ e eles aprovaram.”
A experiência do cargo compartilhado está relacionada à vontade da Unilever de ter novos formatos de trabalho, segundo Luciana. “O modelo é uma evolução das iniciativas de flexibilidade já existentes, como horário flexível e home office, e atende ao anseio de jovens talentos e profissionais que desejam um modelo mais colaborativo, inovador e diverso”, diz a executiva. “Enquanto os funcionários ganham flexibilidade para acomodar demandas pessoais, sem abandonar suas respectivas carreiras, a companhia ganha em produtividade e inovação.”
Operações da Unilever em outros países, como Inglaterra, Holanda e Austrália, já praticam o “job sharing” há mais tempo e a intenção é que a modalidade possa seja ampliada. “Como é a primeira vez que a Unilever Brasil experimenta esse formato, tudo ainda é novo, mas a intenção é oferecer essa possibilidade para outros funcionários”, explica Luciana. “Após seis meses vamos avaliar os aprendizados, as oportunidades e os próximos passos.”
Outra multinacional que tem algo semelhante é a Bosch, com mais de 8 mil funcionários no Brasil. Além de oferecer home office, a empresa tem a modalidade de jornada parcial, que permite ao funcionário exercer suas atividades
em uma carga horária semanal reduzida de até 30 horas. Paula Pessoa, gerente de recursos humanos da Bosch América Latina, explica que a empresa não tem formalmente em sua política a modalidade “job sharing”, mas afirma que ela é possível caso existam duas pessoas com jornada parcial cumprindo uma atividade complementar. “A jornada reduzida é uma possibilidade para todos os colaboradores das áreas administrativas e a carga horária semanal de até 30 horas pode ser distribuída conforme a necessidade do funcionário e da empresa. É importante que haja interesse do colaborador e a validação do gestor para que os resultados sejam positivos para todos”, diz a executiva.
Para ela, novas formas de trabalho estão alinhadas com as mudanças nas relações entre empregador e empregado. “Além de oferecer ao colaborador mais qualidade de vida, a jornada flexível traz impactos positivos no clima organizacional, deixa o profissional mais motivado e possibilita que a empresa conte com pessoas qualificadas que, por vezes, não têm disponibilidade para trabalhar em jornada integral ou 100% presencial na empresa”, diz Paula. Desde que a companhia começou a implementar a jornada flexível, em 2013, foram observados impactos positivos na gestão por resultado, na prática da autonomia, na delegação, na confiança nas equipes e na atração de talentos.
A semana de trabalho reduzida, ainda bastante incipiente, vem ganhando espaço nos debates de recursos humanos. Em janeiro deste ano, o tema chegou a Davos, durante o Fórum Econômico Mundial. A justificativa é que trabalhar menos poderia trazer uma série de benefícios aos trabalhadores e às empresas. “Nós temos boas experiências mostrando que, ao reduzir o número de horas de trabalho, as pessoas são capazes de focar sua atenção com mais eficiência, produzindo com mais qualidade e criatividade. As pessoas também são mais leais às organizações dispostas a oferecer flexibilidade, por se preocuparem com os funcionários fora do trabalho”, disse Adam Grant, psicólogo organizacional da Wharton School, escola de negócios da Universidade da Pensilvânia, durante o Fórum.
O ponto de vista de Grant é amparado em pesquisas e experimentos que mostram que a semana de trabalho mais curta pode deixar as pessoas mais felizes e produtivas.
Na Nova Zelândia, a empresa Perpetual Guardian se submeteu ao teste de retirar um dia inteiro da semana de trabalho. Em março e abril do ano passado, a empresa pediu aos seus 240 funcionários que trabalhassem quatro dias por semana — ao invés de cinco — com a mesma remuneração e pacote de benefícios. A jornada semanal teria, então, 30 horas, e a quantidade de trabalho seria a mesma.

https://valor.globo.com/carreira/noticia/2019/08/01/comecam-a-surgir-os-cargos-divididos-e-a-semana-de-quatro-dias.ghtml

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