Estratégia da Netflix parece incerta e ação cai

A Netflix tomou bilhões de dólares emprestados para passar de uma startup de locação de filmes pelo correio a uma gigante global do “streaming”, ostentando conteúdo próprio para atrair ainda mais assinantes para a sua plataforma e conseguir um crescimento vertiginoso, que fez o preço de sua ação disparar.
Agora, a estratégia que a levou às altas esferas de Hollywood começa a parecer mais incerta.
A companhia sofreu a primeira queda no número de assinantes em seu
principal mercado, os Estados Unidos, desde 2011, quando cindiu suas operações de DVD e preparou a transição para o vídeo on-line. Suas ações caíram 10,3% ontem, depois que a empresa informou a perda de 130 mil clientes nos EUA no segundo trimestre, o que eliminou mais de US$ 16 bilhões de seu valor de mercado.
Os números não poderiam vir em pior hora, alimentando temores de que a Netflix possa estar perdendo força justo quando a Disney, a HBO e a NBC Universal se preparam para lançar seus próprios serviços de streaming, o que deve ocorrer nos próximos meses.
“Isso nos deixa mais apreensivos? Claro que sim – especialmente dado o momento do lançamento da Disney+”, disse Todd Juenger, analista da Bernstein. “Se a Netflix perder assinaturas nos trimestres posteriores ao lançamento da Disney+… Acreditamos que o efeito negativo sobre a ação da Netflix será várias vezes maior que o usual.”
Os resultados também tocaram fundo no modelo de negócios da Netflix. A companhia alegrou os investidores, apesar de queimar US$ 3 bilhões por ano, prometendo que as margens melhorariam à medida que conquistasse mais assinantes e elevasse os preços das assinaturas, dando a entender que não precisaria mais emitir dívida para financiar seus programas. Os resultados desta semana colocaram em dúvida essa tese.
A Netflix aumentou seus preços nos EUA em até 18% neste ano, uma decisão elogiada pelos investidores. Mas a perda de assinantes sugere que a demanda é mais elástica do que os executivos pensavam. O preço da assinatura básica da Netflix custa hoje US$ 13 por mês – um dólar a mais que o preço da concorrente Hulu.
Embora a Netflix já tenha uma posição forte em seu país natal, com mais de 60 milhões de americanos pagando pelo serviço, analistas vinham prevendo que o número poderia subir para até 90 milhões. Até o mês passado, o grupo de pesquisas de mídia MoffettNathanson estimava que a companhia chegaria a 88,4 milhões de assinantes nos EUA até 2025.
Mas ontem a previsão foi relativizada. “Esse trimestre coloca em dúvida muitos dos parâmetros para 2025”, disse o sócio Michael Nathanson, acrescentando que os resultados colocam em dúvida “o poder de formação de preço da Netflix”.
Sem entrar em detalhes, a Netflix atribuiu a perda a uma oferta fraca de conteúdo durante o trimestre e seu CEO, Reed Hastings, pouca coisa explicou. “Não foi um único fator”, afirmou Hastings.
A companhia diz que o cenário vai melhorar com as novas temporadas de suas principais séries. O segundo trimestre geralmente é o mais fraco da Netflix e o terceiro trará o retorno mundial dos sucessos “Orange is the New Black” e “Stranger Things”, com “The Crown” seguindo mais adiante.
Mas os negócios devem ficar mais desafiadores com a chegada de novos concorrentes. A partir de novembro, o serviço de streaming da Disney oferecerá milhares de séries e filmes de franquias populares como “Star Wars” e “Marvel” – a cerca de metade do preço de assinatura da Netflix.
Nos próximos dois anos, a Netflix também perderá seriados favoritos dos assinantes como “Friends” e “The Office” para a WarnerMedia e NBC Universal, respectivamente. Os dois são o primeiro e o segundo programas mais assistidos na plataforma, segundo a Nielsen. A Netflix ignora o problema, argumentando que as perdas “liberarão orçamento para mais conteúdo original.”
Os números globais também desapontaram. Os 2,7 milhões de novos assinantes obtidos mundialmente no segundo trimestre ficaram aquém das previsões de Wall Street, que apontavam para 5,1 milhões de novos assinantes.
O endividamento de longo prazo da Netflix estava em US$ 12,6 bilhões no fim de junho, em comparação a US$ 10,3 bilhões em março. Ela prevê uma queima de caixa livre de mais de US$ 3 bilhões neste ano, embora aposte numa melhoria depois disso.
“Enquanto isso, nosso plano continua sendo usar o endividamento de alto rendimento para financiar nossos investimentos em conteúdo”, disse a companhia, dobrando a aposta em sua estratégia de injetar dinheiro em suas próprias séries e filmes para expandir mais sua base global de assinantes de 152 milhões. Analistas preveem que a companhia vai investir US$ 15 bilhões em conteúdo somente neste ano.
Até agora, a companhia continua sendo a queridinha dos investidores. Embora a ameaça de concorrência e os aumentos recentes nos preços correspondam ao que analistas do JP Morgan classificaram de “uma parede de preocupações” em torno da ação, os papéis da Netflix subiram mais de 35% neste ano, atingindo o pico em maio, em comparação a uma valorização de 20% do índice Standard & Poor’s 500 (S&P 500).
Mas observadores agora se perguntam se a era de ouro da Netflix estaria chegando ao fim. “A perda de assinantes afetam as ações da Netflix mais do que qualquer outra medida e esta é uma medida significativa”, disse Nicholas Hyett, analista da Hargreaves Lansdown. “Não cumprir com as expectativas justo quando a disputa por assinantes está esquentando é duplamente preocupante e duplamente doloroso.”

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