Biden mudaria pouco na relação dos EUA com a China

Quem quer que vença a eleição presidencial de novembro, uma coisa está clara: os EUA deram um passo decisivo em suas relações com a China e provavelmente manterão uma postura mais dura. 

Nos últimos quatro anos, o presidente Donald Trump, um radical de longa data no comércio, rompeu com uma política de décadas que favorecia laços mais estreitos entre os dois gigantes. Ao ver a China como um concorrente cada vez maior, e desonesto, seu governo impôs tarifas a dois terços dos importados chineses, passou a restringir investimentos chineses nos EUA e a pressionar aliados para que barrem a tecnologia chinesa. 

Assessores do candidato democrata à Presidência, Joe Biden, dizem compartilhar da avaliação do governo Trump de que a China é um concorrente problemático. Isso sugere que, mesmo que haja uma mudança no governo em janeiro, os atritos entre a China e os EUA continuarão intensos. 

A tensão contínua entre as duas maiores economias do mundo sugere grandes mudanças para as empresas globalizadas, enquanto elas repensam suas cadeias de fornecimento e seus sistemas tecnológicos num mundo cada vez mais dividido. Isso também poderá forçar aliados a escolher um lado. 

“Há um reconhecimento no Partido Democrata de que Trump estava em grande parte certo ao diagnosticar as práticas predatórias da China”, diz Kurt Campbell, principal autoridade para a Ásia no Departamento de Estado no governo de Barack Obama e hoje assessor da campanha de Biden. 

Assessores de Biden dizem que ampliarão a campanha apoiada pelo governo americano de competir em setores estratégicos de alta tecnologia, como inteligência artificial, computação quântica e a nova geração do padrão 5G de telecomunicações sem fio. Essas políticas visam conter o poderio econômico chinês, a influência do país e reduzir a interdependência. 

As tarifas impostas por Trump também poderão continuar num governo Biden. Embora o democrata tenha chamado a guerra comercial de Trump de autodestrutiva, sua campanha se recusa a prometer retirar as tarifas, limitando-se a dizer que elas serão reavaliadas. Os democratas no Congresso defendem a manutenção de parte das tarifas para proteger os trabalhadores americanos. 

Mas os dois candidatos estão emitindo sinais diferentes nas táticas e mensagens. Assessores de Biden classificam de fantasiosa a retórica de alguns dos apoiadores de Trump sobre uma nova Guerra Fria nos moldes da ocorrida entre os EUA e a União Soviética. Eles observam que mais de US$ 500 bilhões em produtos cruzaram o Pacífico na direção dos dois países no ano passado, mesmo com a guerra comercial. A Apple, por exemplo, ainda depende dos fabricantes chineses para obter componentes cruciais de seus iPhones. 

Eles também criticam a maneira como o presidente Trump passou a confrontar a China. “A utilização dessa estratégia para negociar e competir com eles tem sido uma bagunça”, diz Campbell. 

A equipe de Trump, por sua vez, diz que Biden representa o antigo establishment que encorajou a ascensão da China, inclusive estimulando um sistema global de livre comércio que muitos americanos agora culpam pela eliminação de empregos no setor industrial dos EUA. Em 2000, como um mais influentes membros do Congresso em política internacional, Biden usou seu poder para apoiar o acordo de Bill Clinton que permitiu a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC). 

Uma política mais agressiva em relação à China também seria uma mudança para Biden e sua equipe de política externa. A maioria deles serviu no governo Obama, que alguns afirmam, em retrospecto, ter sido mole demais com a China e lento demais em reconhecer as inclinações nacionalistas e autoritárias do presidente Xi Jinping. 

Biden diz que trabalhará mais de perto com os aliados numa campanha global coordenada para pressionar Pequim. Ele diz que os esforços de Trump seriam mais eficientes se ele trabalhasse com outros países, em vez de se envolver em guerras comerciais simultâneas com a Europa, o Canadá, o México, a Coreia do Sul e o Japão. 

“Respondemos por 25% da economia global, mas enfiamos nosso dedo nos olhos de todos os nossos aliados”, disse Biden recentemente. “A China só responderá quando unirmos o resto do mundo”. 

Biden também afirma que dará uma ênfase maior do que Trump na cooperação com a China em desafios globais que ele considera tão vitais para os interesses americanos quanto confrontar Pequim. 

Enquanto Trump tentou isolar a China neste ano por causa da pandemia – e a OMC por seus laços com a China -, Biden provavelmente adotará uma postura mais globalizada para conter o vírus. Enquanto Trump menospreza as preocupações com as mudanças climáticas, Biden as chama de “uma ameaça existencial”. Biden não pode tratar de sua agenda climática sem a ajuda da China, o maior emissor global de CO2. 

Isso pode complicar as tentativas de adotar uma postura mais dura em relação a Pequim. “Deve haver uma redução da disputa se houver a possibilidade de uma cooperação? E se a China unir esses dois?”, pergunta Thomas Wright, pesquisador de políticas externas da Brookings Institution. 

As posturas diplomáticas contrastantes refletem suas filosofias de governo. Biden passou a maior parte de suas quatro décadas no governo trabalhando com líderes mundiais para ajudar a moldar a ordem global moderna liderada pelos EUA. O ingresso tardio de Trump na política foi despertado por sua oposição à essa ordem. Ele já questionou o valor das relações militares e comerciais com o Japão e a Coreia do Sul, dois aliados dos EUA na órbita da China. 

Nos seis meses desde que Biden efetivamente selou sua indicação pelo Partido Democrata, ele e Trump trocaram farpas sobre a China. Cada campanha produziu vídeos com imagens do candidato adversário se encontrando com Xi. “Biden apoia a China”, diz o vídeo de campanha de Trump. “Trump abaixou a cabeça para os chineses”, reage a campanha de Biden. 

O novo consenso em Washington não é mais o de que a China caminha para adotar os sistemas político e econômico do Ocidente e sim de que será um rival autoritário. A hostilidade não envolve só o comércio, mas também a repressão em Hong Kong e contra os muçulmanos uigures em Xinjiang. 

“Independentemente de quem vencer, a política dos EUA para a China será mais dura nos próximos cinco anos do que nos últimos cinco anos”, diz Richard Haass, ex- autoridade do Departamento de Estado no governo de George W. Bush e hoje presidente do Conselho de Relações Exteriores. “A China mudou e o pensamento dos EUA em relação à China, mudou.” 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/09/11/biden-mudaria-pouco-na-relacao-dos-eua-com-a-china.ghtml

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