Ásia é exceção na inflação global

O mundo passa por uma crise inflacionária dramática. Exceto nos lugares em que ela não acontece. Os aumentos bruscos dos preços nos Estados Unidos e Reino Unido – onde o índice de preços ao consumidor subiu 6% e 4%, respectivamente – despertaram temores de um erro desastroso cometido pelos bancos centrais e de um retorno da inflação crônica da década de 70. Mas em grande parte da Ásia os preços estão sob controle. Essa divergência contém lições para a política econômica, agora e no futuro. 

Na China, o índice de preços ao consumidor subiu 1,5% comparado a um ano atrás, enquanto que no Japão, como sempre, a inflação encontra-se próxima de zero. Na Austrália, o IPC oficial pode estar em 3%, mas a inflação latente de 2,1% está perto do limite inferior da meta do banco central. 

Apenas dois grandes mercados emergentes da Ásia estão com a inflação acima de 5% – Sri Lanka e Paquistão -, comparados a muitos na Europa e América do Sul. Visto de Tóquio, Pequim ou Jacarta, o aumento global da inflação não parece nada global. 

Isso é verdade, embora a Ásia importe muita energia e tenha registrado o mesmo salto nos preços do petróleo, gás, carvão e outras commodities como em qualquer outra parte do mundo. A razão da inflação na Ásia estar baixa se resume a um fator simples: ela enfrentou a pandemia de covid-19 melhor que o resto do mundo. Na maior parte da região os países conseguiram evitar completamente os “lockdowns” compulsórios (Coreia do Sul), limitá-los em alcance e duração (China e Taiwan); ou adiar essas medidas até 2021, quando as vacinas começaram a se tornar disponíveis (Nova Zelândia). 

As consequências desse sucesso relativo estão agora se manifestando de várias maneiras. Do lado da demanda da economia, a Ásia experimentou poucas oscilações dramáticas no consumo de serviços para bens e vice-versa que marcaram a experiência dos EUA e Europa, à medida que eles entraram e saíram de lockdowns. Se você nunca ficou preso em casa, nunca sentiu a necessidade de comprar uma esteira, um novo aparelho de TV e madeira suficiente para fazer um deck no quintal. Se você conseguiu cortar os cabelos regularmente, ir ao dentista e beber com os amigos, não precisou correr para o cabeleireiro, o dentista e o bar mais próximo quando a economia foi reaberta. 

Os asiáticos também têm sido em geral mais cautelosos do que os europeus e os americanos quando suas economias se abrem. No Japão, por exemplo, as famílias idosas respondem por quase 40% do consumo, conforme observou recentemente o presidente do Banco do Japão, Haruhiko Kuroda. Mas, embora os aposentados do Japão estejam agora em grande parte vacinados, seu consumo de serviços ainda não retornou ao normal, muito menos exibiu um boom pós-pandemia. 

Oscilações menores na demanda significaram menos pressão por uma resposta da oferta. Mas a pandemia de covid-19 também mostrou as consequências do domínio industrial global da Ásia. Como a região produz a maior parte dos materiais consumidos no mundo, ela pode se manter bem abastecida com maior facilidade. 

Gareth Leather e Mark Williams da Capital Economics discutem alguns desses fatores em uma nota recente. Por exemplo, enquanto o custo de envio de um contêiner da China para a Europa aumentou cinco vezes desde a chegada da pandemia, o custo de seu transporte dentro da Ásia só dobrou. Quando a covid levou ao fechamento de fábricas, as companhias asiáticas tiveram uma escolha maior de fornecedores alternativos na região, o que significou menos interrupção na oferta. No setor automobilístico, Coreia do Sul e China puderam garantir que os produtores domésticos tivessem acesso prioritário aos escassos semicondutores. Há uma inflação de dois dígitos para os automóveis nos EUA. No leste da Ásia, os preços mal subiram.

Uma das maiores diferenças entre a Ásia e os EUA é a oferta de mão de obra. Quando a covid chegou, nos EUA muitos trabalhadores foram demitidos, pediram demissão para cuidar dos filhos, afetados pelo fechamento das escolas, ou então optaram por pedir demissão para evitar contrair o vírus. O resultado foi um golpe prolongado na oferta de mão de obra. Isso está elevando os salários nos EUA e Reino Unido – um grande motivo de preocupação com a inflação. 

Há poucos sinais de uma aceleração de salários parecida na Ásia. Evitar lockdowns – ou o uso de subsídios salariais para manter os trabalhadores em seus empregos na pior fase da pandemia – tornou todo o evento menos traumático. Na Austrália e Nova Zelândia, a participação na força de trabalho tem estado perto de níveis recordes. “O acúmulo de mão de obra permitiu às empresas japonesas manter a capacidade de aumentar rapidamente a oferta mesmo quando a demanda aumentou devido à retomada da atividade econômica”, disse Kuroda. 

Sem a inflação imediata para se preocupar, os bancos centrais da Ásia podem alimentar a recuperação econômica. Aqueles que aumentaram as taxas de juros, como os bancos centrais da Nova Zelândia e Coreia do Sul, o fizeram porque suas economias estavam em pleno emprego e eles temiam um superaquecimento, ou por preocupações com a estabilidade financeira. O Reserve Bank of Australia disse com segurança que não pretende aumentar os juros em 2022. O Banco do Japão, como sempre, não espera aumentar os juros em nenhum momento do futuro previsível. 

Para os bancos centrais da Europa e Américas, a experiência da Ásia dá peso à visão de que a inflação alta nessas regiões foi causada por perturbações da pandemia. Essas perturbações devem diminuir. Mas os bancos centrais ocidentais não podem ser tão otimistas quanto suas contrapartes asiáticas: se os salários aumentarem, então as pressões transitórias sobre a inflação se tornarão persistentes. Escolhas diferentes na condução da covid-19 tiveram muitas consequências. Aquelas para a inflação estão agora se tornando visíveis. (Tradução de Mário Zamarian). 

Robin Harding é o diretor da sucursal do Financial Times em Tokyo 

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/asia-e-excecao-na-inflacao-global.ghtml

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