Schönberg e o fenômeno antropológico

Kleber Mazziero de Souza

Quando o compositor Arnold Schönberg afirmou: “o que temos por leis são talvez apenas leis que nos permitam compreender, mas não leis que fundamentem a obra de arte”, em grande medida, encerrou numa espécie de redoma de cristal aquilo a que se convencionou chamar de “música tonal”. O tonalismo, enquanto sistema harmônico-melódico, raiara pelo final do século XVII, reinara ao longo de 200 anos e, ali, encontrava seu ponto final; era chegado o tempo de um novo sistema, a que se denominou “dodecafonismo”.

Em verdade, Schönberg estava a sugerir que, depois de quase 1200 obras de Bach, 670 obras de Mozart, 500 obras de Beethoven e 120 peças de Brahms, com um universo sonoro composto por 12 notas, tudo já fora escrito. Seria possível compor algo bom, mas não seria possível grafar numa partitura algo novo.
O Tratado de Harmonia de Schönberg data de 1911, momento histórico que empresta elementos para, ao menos, uma ilação:

Por mais de dois milênios, o mundo concebera seus movimentos interacionais tendo a Europa como centro gravitacional; o “centro do mundo” (fora a Grécia, Roma, a Bretanha, a Península Ibérica, a França, a Inglaterra) era na Europa, era a Europa. No entanto, nas primeiras décadas do século XX, o “centro do mundo” ensaiava deslocar-se para longe do Velho Mundo e preparava um movimento migratório que repousaria nos Estados Unidos da América do Norte. O Homem, então, des-centralizado, teria se voltado para si, em busca de uma identidade cultural que não era mais a europeia – seria uma identidade própria, nacional, esquecida, a ser reconstruída. Espocaram pelo mundo os nacionalismos, que se consolidariam com Mussolini, na Itália, em 1922; Hirohito, no Japão, em 1926; Salazar, em Portugal, e Hitler, na Alemanha, em 1933; Franco, na Espanha, em 1936; Vargas no Brasil, em 1937. Uns mais, outros menos exacerbados, mas todos nacionalismos que se afirmavam e, em alguma medida, afirmavam suas identidades sociais, raciais, culturais.

Justamente neste momento histórico, no qual coincidem o fim do tonalismo e a proliferação dos nacionalismos, entra em cena um fenômeno de natureza antropológica: em lugares tão distintos quanto distantes geograficamente, compositores provindos da música erudita encamparam esforços semelhantes na busca por uma identidade musical cujo âmago se encontraria nas manifestações musicais populares.

Béla Bartók, Manuel de Falla e Villa-Lobos, sem sequer se conhecerem, decidiram munir-se de gravadores, lápis e papéis pautados, e adentraram aos profundos rincões de seus países (Hungria e Romênia, Espanha e Brasil, respectivamente) em busca de manifestações musicais que revelassem a alma de seus povos e, eventualmente, concentrassem novos elementos discursivos – ligados ou não ao tonalismo que Schönberg decretara findo.

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