Qual o futuro da excepcionalidade dos Estados Unidos?

Manoel Guedes Neto

Os recentes acontecimentos relacionados à retirada das tropas americanas do Afeganistão trouxeram à tona a discussão sobre o chamado excepcionalismo dos Estados Unidos, concepção representada pelas ideias sobre como os norte-americanos percebem a si próprios e a legitimidade do país em empreender ações sob a responsabilidade de intervir em conflitos no exterior. Nesse sentido, relatório divulgado em 28 de setembro pela Eurasia Group Foundation sugere que o excepcionalismo do país em questões de política externa está em plena fase de decadência.

A pesquisa buscou ilustrar as discrepâncias existentes entre as preocupações dos cidadãos comuns e das elites que formulam as ações de política externa dos Estados Unidos. Para tanto, foram consultados 2.168 adultos em idade eleitoral e em âmbito territorialmente nacional. Os resultados indicam a queda de apoio da opinião pública sobre as ações militares abertas e imposição da força para a resolução de problemas, além da contrariedade em relação à ideia de que os presidentes devam desenvolver meios para a manutenção do domínio global. 

Detalhando-se ainda mais os resultados, 58% dos cidadãos desejam que o país adote os princípios diplomáticos de modo mais recorrente, destacando-se a defesa pela formulação de acordos (voltados sobretudo às disputas e animosidades dos Estados Unidos com a China e com o Irã) e a busca de cooperação a desafios comuns, a exemplo das questões climáticas. Ao mesmo tempo, para a maioria dos respondentes (62%), a principal lição deixada pela guerra no Afeganistão foi a de que os Estados Unidos não deveriam se envolver sobre os projetos de “construção de uma nação”.  Essa posição é justificada pela expectativa de que o país diminua o orçamento de defesa para que parte dos recursos seja redirecionada para agendas internas.

Ao se verificar as percepções pelo critério geracional, o entendimento sobre os Estados Unidos enquanto “naturalmente superior” declina de modo acentuado ao se considerar o rejuvenescimento dos grupos etários: constata-se que os mais jovens possuem um olhar cético sobre o excepcionalismo americano. O levantamento mostra que 60% do grupo entre 18 e 29 anos acreditam que os Estados Unidos não possuem o direito de agir como um líder global autodesignado em sua missão de “defender a democracia em todo o mundo”. Esse grupo considera que a paz pode ser alcançada por meio dos acordos econômicos globais e pelo crescimento do livre comércio. 

Em contrapartida, essa tendência não significa uma propensão do país ao isolacionismo; por mais que exista o entendimento de que os Estados Unidos devam resolver seus próprios problemas domésticos antes de se envolver em ações internacionais, a percepção dos jovens é a de que Washington, perante situações concretas de crise, possa apoiar as políticas de instituições cooperativas, a exemplo da Organização das Nações Unidas (ONU).

Finalmente, a desconfiança apresentada sobre a intervenção militar não se verifica em relação à dependência dos Estados Unidos sobre outra ferramenta coercitiva para suas ações no exterior: o uso de sanções econômicas, medida que apresenta concordância do público norte-americano sobre a sua aplicação. A despeito disso, as atitudes excepcionalistas continuarão a ser desenvolvidas pelo país, ainda que os resultados da pesquisa mostrem que o uso desse meio como forma de manutenção da hegemonia se encontra em pleno processo de declínio.

Manoel Guedes Neto
Professor do curso de Ciências Sociais e do Consumo da ESPM

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