Por que fracassou aquele que seria o maior 7 de setembro da História do Brasil?

Por Sidney Ferreira Leite

É praticamente impossível responder a pergunta que o título desse brevíssimo artigo propõe. A rigor, a promessa de realizar a maior manifestação da História do Brasil, continha, provavelmente, os fundamentos que auxiliaram o seu suposto fracasso. A começar pela data escolhida, isto é, a efeméride que comemora a “Independência do Brasil”. O 7 de setembro é um fato muito mais do Estado que da sociedade brasileira. Não possui densidade social e popular como, por exemplo, o 4 de Julho nos Estados Unidos e o 14 de Julho na França.

O descaso do brasileiro com a sua data nacional se justifica. A emancipação conquistada em 1822 não representou uma ruptura com a pesada herança colonial; principalmente quando dirigimos a nossa análise para a sociedade. A elite que liderou o processo de emancipação e, posteriormente, construiu a ordem institucional, tinha uma visão de sociedade caracterizada pelo conservadorismo. A rigor, foi a principal responsável pela manutenção da escravidão e pela estrutura econômica do novo país. O Brasil nasceu como a flor exótica das Américas, uma monarquia escravista, cercada por Repúblicas. Eis o legado do 7 de setembro.

Nessa perspectiva, o 7 de setembro representa no plano real, a continuidade e, uma espécie de transação com o passado colonial, jamais um fato social significativo e, muito distante de revolucionário. Não é obra do acaso que apenas durante o Estado Novo e o Regime Militar, a data foi revestida de algum valor simbólico eficaz: o acontecimento que teria marcado a fundação do Brasil. Urge sublinhar: dois momentos caracterizados pelo autoritarismo e pela repressão. O que vimos no último dia 7 de setembro de 2012 foi a materialização de uma percepção crescente e concreta, segundo a qual, desde o final do mês de junho, acompanhamos o que seria o ocaso do renascimento das utopias sociais coletivas; condensadas na crença de mudar o Brasil a partir da sua base: a sua sociedade.

As novas formas de ações coletivas e solidariedades que emergiram nas principais ruas e avenidas do país parecem ter cedido o espaço para os indivíduos que caminham em alta velocidade para satisfazer os seus desejos de consumo e, para jovens movidos pelo espírito do luddismo que marcou o início da revolução industrial inglesa, no século XVIII. Mas, será que aquela onda gigantesca que assustou aos donos do poder e o “partido da ordem”’ chegou na praia, tocou na areia e se transformou em espuma?

Para responder à questões como essa é aconselhável recorrer aos estudiosos do movimento social. Esses sempre parecem ter algo importante a nos dizer. Nessa senda, como não recordar reflexões de Eric Hobsbawm e relacioná-las com o Brasil contemporâneo. De fato, as ações coletivas, como as que assistimos em junho de 2012, guardam complexas relações de médio e longo prazo com as transformações econômicas e a com própria reorganização política da sociedade. Nesse contexto, cabe retomar postulações de Edward Palmer Thompson, autor do precioso livro A Miséria da Teoria ou um Planetário de e Erros, sobre os movimentos sociais. Segundo Thompson, todo movimento social nasce de recursos ideológicos disponíveis. Assim, são os embates, os conflitos e o próprio acontecer (fazer-se) de tais movimentos que o levam a superar a cultura política herdada. Em outras palavras e, recorrendo a outro gigante dos estudos sobre movimentos sociais, George Rudé, as lutas no plano da sociedade acorrem dentro de estruturas políticas pré existentes e, as suas ideologias são partes integrantes do processo social.

Os movimentos sociais, como as passeatas e os protestos de junho de 2012, não funcionam como uma equação matemática ou caminham como se estivessem sobre uma régua. O seu ritmo e a sua temporalidade estão mais próximos de ondas cujas dinâmicas são complexas e condicionadas por fenômenos densos. A rigor, são os tais fenômenos que certa vez, Karl Marx se referiu quando afirmou que: “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado…” Nessa perspectiva, parece tão equivocado pretender realizar o maior protesto da História do Brasil, como acreditar que os acontecimentos do mês de junho de 2012 foram fogos de artifício que iluminaram apenas um instante e deixaram a nossa sociedade em uma escuridão atávica e eterna. Tenhamos confiança que a onda poderá ressurgir e teremos a chance de, como sociedade, criar e fazer o nosso 7 de setembro.

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