Alexandre Uehara
Em 15 de novembro de 2020, os dez Estados membros da Associação do Países do Sudeste Asiático (Brunei Darussalam, Camboja, Indonésia, Laos PDR, Malásia, Mianmar, Filipinas, Cingapura, Tailândia e Vietnã) e cinco países com quem já possuem acordo de liberalização comercial (Austrália, República Popular da China, Japão, República da Coreia e Nova Zelândia) aprovaram o acordo da Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP – sigla em inglês para Regional Comprehensive Economic Partnership).
Pode-se afirmar que esse acordo é importante e poderá, no futuro, ser considerado como um ponto de inflexão na ordem internacional do século XXI. Pois, o mundo está acostumado com ordenamentos liderados por potências ocidentais, mas nesse acordo não participa nenhuma das principais potências econômicas e militares ocidentais, nem mesmo os Estados Unidos. Apenas essa característica não tornará a RCEP um fato histórico e muito menos de inflexão, o que sinaliza uma possível mudança significativa é a sua importância econômica internacional.
Mas, qual é a singularidade da RCEP uma vez que já houve outros acordos sem a presença de potencias ocidentais, mas que não tiveram relevância global? Um fato é que esse novo acordo envolve países que somam quase um terço da economia global. Comparando-se, o acordo entre os Estados Unidos, México e Canadá (USMCA, sigla inglesa), segundo os dados do Fundo Monetário Internacional de outubro de 2020, envolve 496,9 milhões de pessoas e US$ 23,4 trilhões de produto interno bruto (PIB). Já o grupo da RCEP, de início já conta com 15 países que representam uma população total de 2,27 bilhões de pessoas e PIB total de US$ 25,9 trilhões. Além disso, entre os membros destacam-se a China e Japão, respectivamente, segunda e a terceira maior economia mundial e, portanto, é inegável o peso econômico que esse grupo possui no cenário global.
Vale enfatizar também que o estabelecimento do RCEP é um fator importante no jogo de poder entre os EUA e a China, com duplo resultado positivo para esse último. Primeiro porque Pequim mantinha muito interesse no sucesso desse projeto para se opor à influência que os Estados Unidos vinham exercendo na região durante o governo de Barack Obama pela Parceria Transpacífico (TPP, sigla inglês – Trans Pacific Partnership) assinado em 2015 e que não incluía a China.
Segundo ponto a favor da China foi o cumprimento da promessa de campanha do ex-presidente Donald Trump, retirando os EUA do acordo da TPP em 2017 que deixou um vácuo de participação nas questões comerciais na região da Ásia Pacífico. A saída americana inicialmente gerou incertezas sobre o futuro dessa iniciativa, no entanto, o Japão, juntamente com a Austrália, liderou a consolidação do projeto sob um novo nome, Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica” (CPTPP, sigla inglesa para Comprehensive and Progressive Agreement for Trans-Pacific Partnership), que tem atualmente onze membros (Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Peru, Nova Zelândia, Singapura e Vietnã).
Portanto, metaforicamente pode-se afirmar que na disputa sino-americana a China está ganhando, neste momento, por dois a zero dos EUA. A RCEP foi um ponto a favor conquistado pela própria iniciativa chinesa e o outro ponto em seu benefício foi o “gol contra” dos EUA pela saída do atual CPTPP, por decisão ex-presidente Donald Trump. Mas, a disputa ainda não terminou.
As negociações no âmbito da RCEP incluem várias temáticas como a redução de tarifas e barreiras ao comércio de bens e de serviços entre os países membros, investimento, cooperação econômica e técnica, propriedade intelectual, concorrência, solução de controvérsias, comércio eletrônico e outros que deverão contribuir para fortalecer e aprofundar as relações da China com os países da região, ampliando o placar a favor do país asiático, que já é a maior parceira comercial das nações na região.
E, nesse jogo, os desafios para o novo Presidente Joe Biden são vários, após sua eleição parte agora pela defesa da restauração das relações com os países da asiáticos incluindo a renegociação da entrada americana no CPTPP. Porém, isso provavelmente demandará tempo, uma vez que num ambiente mais favorável e sem os problemas impostos pela COVID-19, as negociações do TPP levaram mais de cinco anos.
Conseguirá os EUA reverter o placar ou estamos assistindo de fato a inflexão na ordem internacional? Acompanhemos para ver os próximos capítulos.