Os riscos geopolíticos em 2017 no paralelo 38ºN

Alberto Montoya

Desde o início de 2017, despontaram fatores de riscos geopolíticos na península coreana. Quatro eventos principais fervilharam esses riscos e conturbaram o ambiente da visita do secretário de estado norte-americano à Coreia do Sul e à China entre os dias 17 e 19 de março. Diante desse contexto, abordaremos a seguir os principais eventos das últimas semanas e os seus respectivos riscos, bem como as opções geoestratégicas a serem exploradas pelos EUA, China e Coreia do Sul nas próximas semanas.

O primeiro fator de risco geopolítico que elencamos na península coreana, neste ano, não foi um fator isolado. Nos referimos ao anúncio do regime norte-coreano, em janeiro, de que em breve desenvolveria e testaria mísseis de alcance intercontinental, tema recorrente na última década. O anúncio soou como provocação ao então eleito, mas não empossado, presidente norte-americano Donald Trump. Na ocasião, Trump declarou no seu twitter que “tais testes militares não aconteceriam”. Logo após tomar posse e formar seu quadro ministerial, o presidente enviou seu secretário de defesa, James Mattis, para visitar a Coreia do Sul no dia 03 de fevereiro. A visita foi percebida como provocação e Pyongyang lançou mísseis em águas japonesas dias depois, enquanto o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, visitava Trump na Casa Branca, entre 10 e 12 de fevereiro.

Em seguida, um evento hollywoodiano ganhou destaque internacional: a operação de assassinato de Kim Jong-nam no aeroporto em Kuala Lumpur, em 13 de fevereiro. A vítima era o irmão mais velho do presidente norte-coreano Kim Jong-un, provável mandante do crime. Os procedimentos tanatológicos malaios foram acusados de conspiratórios pelo embaixador norte-coreano no país. Quando cobrado a dar maiores explicações, o embaixador silenciou. As denúncias recíprocas formaram um fator de risco para as relações exteriores de ambos os países e culminaram na expulsão do diplomata norte-coreano na Malásia, bem como na suspenção dos vistos emitidos por autoridades daquele governo, para os norte-coreanos. A retaliação norte-coreana não tardou, expulsaram o embaixador e proibiram a saída de cidadãos malaios do território norte-coreano por razões alegadas de “segurança nacional”. Segundo o governo malaio, desde então cerca de 11 pessoas estão em condição de reféns no país.

No contexto militar, novamente foi realizado, em 06 de março, outro teste de mísseis pela Coreia do Norte, os quais teriam atingindo as águas da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) do Japão. Nesta ocasião, o presidente Kim Jong-un declarou que o objetivo seria o de testar armas que alcancem o Japão e as bases dos EUA na região. No dia seguinte, Harry Harris, almirante que comanda a frota norte-americana no Pacífico, salientou que duvidava que o míssil tivesse alcance intercontinental e que tais ações denotam a importância do avanço dos EUA no sistema do escudo antimíssil THAAD (Terminal High Altitude Area Defense), em conjunto com a Coreia do Sul.

Finalmente, no âmbito dos riscos políticos domésticos na Coreia do Sul, os escândalos de corrupção envolvendo as cúpulas empresariais e governamentais provocaram manifestações que erodiram a governabilidade da presidente Park Geun-hye. A presidente foi afastada por impeachment parlamentar em dezembro de 2016 (256 votos a favor e outros 56 contra o afastamento), cuja decisão foi confirmada por oito Juízes do Tribunal Constiticional do país, em 10 de março deste ano. As denúncias apontam a presidente em esquemas de tráfico de influência via amizades espúrias com líderes de grupos religiosos (Choe e Tae-min e Choi Soon-Sil da Igreja da Vida Eterna) e destes com empresas do calibre da Samsung, LG e Hyundai. A saída da governante em meio ao clima de manifestações públicas polarizadas, nas quais duas pessoas já morreram e cerca de 20 mil policiais foram mobilizados em escoltas e bloqueios a manifestantes, abriu espaço para Pyongyang explorar “sinais de fraqueza da democracia meridional”, anunciando ameaças mesmo durante os exercícios militares anuais conjuntos entre EUA e Coreia do Sul.

O cenário de transbordamento dos riscos políticos para a competitividade econômica da Coreia do Sul é preocupante. Isto porque, embora a economia seja bastante competitiva, elencada pelo Fórum Econômico Mundial em 2016-2017 como a 26ª mais competitiva dentre 138 países, e que a sociedade desponte elevados coeficientes no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH-ONU), ocupando em 2015 a 17ª posição dentre 168 países analisados, uma parcela significativa do PIB nacional depende direta e indiretamente de manufaturas impulsionadas pelas mega-corporações, as chamadas chaebols.

As chaebols atuam como “campeãs e gigantes nacionais” no setor de manufaturas e eletrônicos direcionados também para a exportação. As manufaturas colaboraram com a segunda maior parcela do PIB nacional de 2016: cerca de 37,6%, contra outros 2,3% provenientes da agricultura e 60,2% de serviços. Ao todo, o montante estimado do PIB sul-coreano em 2016 rondou a casa de 1,9 trilhão de dólares. Vale notar que o setor de serviços embora pareça expressivo em relação à fatia do PIB, está intimamente ligado e suplementa as atividades manufatureiras das chaebols, uma vez que a agricultura não gera a mesma quantia de riqueza e oportunidades numa sociedade que envelhece em que os jovens possuem elevados índices educacionais e de profusão tecnológica. Portanto, as instabilidades geradas pelos escândalos de corrupção podem degradar o ambiente de negócios das principais empresas sul-coreanas com efeitos deletérios para a economia e comércio exterior do país.

Alarmados com o cenário, representantes da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) declararam em Viena, no dia 06 de março, que é perturbadora a baixa adesão da Coreia do Norte às provisões do Conselho de Segurança (CS) emitidos em 2016 sobre os programas nuclear e militar do país. Novamente, o CS foi solicitado pela AIEA para discutir o caso norte-coreano. Dois dias depois, os membros do Conselho se reuniram e os 15 membros emitiram a nota conjunta deplorando as atividades de Pyongyang. Seguiram o tom condenatório já adotado pelo Secretário Geral (SG) António Guterres sobre o tema em fevereiro deste ano. Essas declarações denotam a tendência de manutenção do isolamento da Coreia do Norte no quadro da segurança coletiva da ONU.

Embora as declarações da AIEA, do CS e do SG da ONU sejam mais uma vez destituídas de medidas efetivas traduzidas em um plano de ação, devemos considerar que na última semana a Casa Branca aventou em paralelo os riscos de agir militar e preventivamente para interromper o programa nuclear norte-coreano. O tema não foi lançado ao acaso, o momento foi calculado para ser uma resposta aos últimos exercícios militares e por anteceder a visita do secretário de Estado americano Rex Tillerson na região, nesse último fim de semana.

Ao visitar a China, Tillerson alegou, de forma geral, a necessidade de a Casa Branca avançar na parceira com os chineses em temas sensíveis, embora não elencando quais temas e o que tencionarão fazer. Contudo, antes de visitar a China, Tillerson esteve na Coreia do Sul e ali seu discurso foi assertivo, defendeu claramente a aliança militar “defensiva” entre os dois países. Sem dúvida, uma alusão ao já iniciado programa THAAD que continuará a ser denunciado por Pyongyang e Pequim nos próximos dias.

Esses sinais incisivos na Ásia contrastam com as declarações de Trump sobre rever as parcerias no quadro da OTAN e União Européia. Lá, Trump pretende demandar dos governos europeus maiores investimentos em defesa. A percepção da Casa Branca seria a de que os europeus são freeriders no guarda-chuva geoestratégico norte-americano, ou seja, enquanto os EUA são onerados na manutenção de um sistema de defesa em escala global, a Europa pode se dar ao luxo de gastar menor parcela do orçamento em defesa, para a manutenção de modelos de “bem-estar social”. Outro evento recente, que reforça o contraste entre assertividade nas alianças militares EUA-Coreia do Sul-Japão e certa apatia, e mesmo antipatia, com as alianças na OTAN e UE, foi a lacônica e constrangedora situação da visita de Angela Merkel à Washington na última sexta-feira dia 17 de março.

Se os últimos sinais da Casa Branca para o contexto geopolítico asiático forem mantidos, a tendência será a de que os EUA se afastarão comercial e economicamente dos acordos multilaterais como o TPP, o que diminuiria a pressão sobre a China até então “isolada” por este acordo. Por outro lado, os EUA avançarão na cooperação geoestratégica e militar com a Coreia do Sul e o Japão para consolidar o programa THAAD. Infelizmente, o próprio embaixador chinês em Seul alertou ao regime sul-coreano de que tal sistema militar elevará os riscos na região ao ponto de corroer as relações com Pequim. Aparentemente, a visita de Tillerson nos últimos dias à China não foi suficiente para debelar as desconfianças chinesas. Enquanto isso, a China teria começado unilateralmente a impor restrições e tratamento desiguais para empresas sul-coreanas que atuam no país. Por esta razão, segundo o Ministro de Comércio sul-coreano Joo Hyung-hwan, o país denunciou nesta segunda-feira, 20 de março, as retaliações chinesas ao THAAD na Organização Mundial do Comércio (OMC). Em meio a esta escalada dos riscos na região, Rex Tillerson pediu serenidade ao lidar com a crise para evitar conflitos armados.

Sobre o contexto dos riscos políticos domésticos na Coreia do Sul, as expectativas circundam os nomes para possíveis candidatos para as eleições que ocorrerão no dia 09 de maio, conforme anunciado pelo ministro do interior Hong Yun-sik. O líder de oposição ao governo de Park, Moon Jae-in, ex-líder do Partido Democrático lidera as intenções de voto. Pesquisas Gallup no início de março apuraram cerca de 32% a 29% de aprovação ao candidato[1]. Entretanto, após recentes aparições públicas de Park com pedidos de desculpas por seus “erros” para com o povo sul-coreano, manifestações de apoio à ex-presidente acirraram a polarização partidária.

De especial interesse seria a linha estratégica de Moon Jae-in para a Coreia do Norte, qual seja, melhorar a parceria econômica biliteral entre os dois países. Esta alternativa de política externa estaria baseada na crença de que quando a Coreia do Sul aumenta sua parceria econômica com a Coreia do Norte ela consegue maior poder de barganha e pressão sobre Pyongyang. Enquanto promete fechar o cerco contra a corrupção das chaebols no ambiente doméstico, o candidato antevê na aproximação com os irmãos do norte oportunidades para comércio exterior destas mesmas empresas. O corolário desta política externa de reaproximação com o norte se reflete na postura de Moon Jae-in em “rever os acordos do THAAD”, pois acredita que a maneira pela qual o sistema é propugnado aumenta a tensão na região.

As próximas semanas até as eleições de 09 de maio serão decisivas para os contornos gerais da geoestratégia na região do Paralelo 38º N, tradicionalmente uma das fronteiras mais militarizadas do mundo. Neste ínterim, será oportuno observar os riscos econômicos para a região no contexto da mobilização da OMC, no contencioso entre Coreia do Sul e China pelo THAAD. Do ponto de vista dos riscos políticos internos e geopolíticos externos, possíveis exercícios militares da Coreia do Norte e declarações dos EUA, Japão e China poderão afetar sensivelmente a percepção dos eleitores sul-coreanos sobre as propostas dos diferentes candidatos, mas a polarização política indica que mais uma vez o tema dominante será a política e a economia doméstica, com o futuro das chaebols na mira dos candidatos.

Ainda sobre o THAAD, os EUA precisarão dosar de um lado a sua vontade de terminar a já iniciada instalação do sistema ante a possibilidade de Seul ser governada por céticos ou revisionistas desta cooperação militar, por outro, depurar a real necessidade geoestratégica acelerar o THAAD nesta militarizada fronteira que desde a Segunda Guerra Mundial desconhece a paz.

 

Fontes (acessos realizados entre 17 e 20/03/2017)

Nações Unidas

http://www.un.org/apps/news/story.asp?NewsID=56315#.WM8fjBiZM34

http://www.un.org/apps/news/story.asp?NewsID=56297#.WM8f7hiZM34

http://www.un.org/apps/news/story.asp?NewsID=56301#.WM8f-RiZM34

http://www.un.org/apps/news/story.asp?NewsID=56160#.WM8f8xiZM34

http://hdr.undp.org/en/countries/profiles/KOR

Fórum Econômico Mundial

https://www.weforum.org/reports/the-global-competitiveness-report-2016-2017-1

Departamento de Estado dos EUA

https://www.state.gov/secretary/remarks/2017/03/268499.htm

https://www.state.gov/secretary/remarks/2017/03/268476.htm

https://www.state.gov/r/pa/prs/ps/2017/03/268524.htm

Departamento de Defesa dos EUA

https://www.defense.gov/About/Biographies/Biography-View/Article/602712/admiral-harry-harris-jr

Casa Branca

https://www.whitehouse.gov/featured-videos/video/2017/02/10/president-trump-and-prime-minister-shinzō-abe

BBC

http://www.bbc.com/portuguese/internacional-38260845

http://www.bbc.com/news/business-39324536

Bloomberg

https://www.bloomberg.com/politics/articles/2017-03-10/meet-the-top-contenders-to-replace-park-as-south-korea-s-leader

Reuters

http://www.reuters.com/article/us-southkorea-china-thaad-idUSKBN16R03D

 


[1] Os demais caditados são Ahn Hee-jung (17%), Ahn Cheol-soo (9%), Hwang Kyo-ahn (9%) e Lee Jae-myung (8%), Disponível em: https://www.bloomberg.com/politics/articles/2017-03-10/meet-the-top-contenders-to-replace-park-as-south-korea-s-leader (Acesso realizado em 19/03/2017).

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