Por Cesar Veronese, Professor do CPV Vestibulares
Hotel do Canal, Bagdá. Terça-feira, 19 de agosto de 2003, 16h30. Um caminhão bomba explode junto ao muro do Hotel, onde funcionava o quartel general da ONU no Iraque invadido pelos Estados Unidos. Entre as dezenas de vítimas presas entre os escombros, está o diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello.
Sérgio agoniza por cerca de 4 horas, preso entre duas lajes. Quando o socorro chega, à noite, o diplomata está morto. Jonathan Steele, jornalista do The Guardian, escreve no mesmo dia um artigo no qual informa sobre a morte do “melhor servidor público do mundo”.
Kofi Annan, então Secretário-Geral das Nações Unidas, escolhera o diplomata brasileiro para liderar a missão da ONU no Iraque ocupado pelos Estados Unidos e as chamadas forças da coalizão. A ONU se opusera à invasão, mas Washington valeu-se de seu poder de veto junto à Organização e levou adiante sua política arrogante.
Vieira de Mello era contra a ocupação, mas acreditava que sua larga experiência de mais de 30 anos junto à Organização poderia ajudar nas negociações emperradas por tantos impasses. O desfecho da guerra, nós o conhecemos. Milhares de vítimas civis e militares, cidades destruídas, o Museu de Bagdá (um dos mais antigos do mundo) destruído e saqueado e as alardeadas armas de destruição em massa até hoje não foram encontradas.
Há quem veja na guerra do Iraque mais uma prova da fraqueza da ONU e do seu papel de títere no cenário da política mundial. Não era essa, no entanto, a visão de Vieira de Mello. Ele acreditava, fundamentado em sua formação de base kantiana, na necessidade de uma entidade capaz de trabalhar pela paz mundial. Afirmava que entre a realidade objetiva e a moral havia a “intersubjetividade política” e que as violações dos direitos humanos constituiam o cerne da insegurança interna e internacional.
Seu pensamento se torna ainda mais atual quando presenciamos a explícita violação dos direitos humanos em todos os continentes. Violação consumada pelos interesses geopolíticos dos Estados Unidos espalhados pelo planeta inteiro, pelas empresas chinesas que atuam na África, pela suja política da Comunidade Econômica Europeia, pelos assassinatos de camponeses em Honduras e no Paraguai ordenados por donos do agronegócio, pela política da Monsanto, pelas empresas europeias proprietárias de toda a água doce do Chile…
Sérgio Vieira de Mello nasceu no Rio de Janeiro, atuou em missões diplomáticas nos cinco continentes, foi o único brasileiro a exercer o cargo de chefe de estado de outro país (como presidente do Timor Leste), e foi enterrado com honras de chefe de estado no Cemitério dos Reis, em Genebra, onde estão, entre outros, Jean-Jacques Rousseau e Jorge Luis Borges. Foi um cidadão do mundo.
Nesses dez anos da sua ausência, podemos reencontrar seu pensamento humanitário e articulado com as grandes questões mundiais em dois excelentes livros: O HOMEM QUE QUERIA SALVAR O MUNDO (UMA BIOGRAFIA DE SÉRGIO VIEIRA DE MELLO), de Samantha Power, e SÉRGIO VIEIRA DE MELLO : PENSAMENTO E MEMÓRIA, organizado por Jacques Marcovitch. Este último traz uma preciosa seleção de textos (discursos, palestras, aulas magnas) de Vieira de Mello, bem como um conjunto de ensaios sobre o diplomata.
Existe também o documentário A CAMINHO DE BAGDÁ, de Simone Duarte. Esgotado no Brasil, pode ser adquirido nos Estados Unidos (EN ROUTE TO BAGHDAD).