Cesar Veronese, Professor do CPV Vestibulares
Três grandes vozes se calaram no Brasil nas últimas semanas. Rubem Alves, João Ubaldo Ribeiro e Ariano Suassuna. Calaram-se porque, embora entrados nas casas dos 70 e dos 80 anos, os três estavam em pleno vigor e continuavam a escrever livros que eram sucesso de público e crítica. Mas continuam vivos porque suas obras, que não se prendiam a modismos literários, muito dizem sobre o Brasil e por isso permanecerão como expressões de nossas desgraças, nossas possibilidades e nossa criatividade.
As manchetes dos jornais diariamente nos contemplam com estatísticas terríveis sobre o aumento da violência e dos acidentes de trânsito, a falta de leitos hospitalares e a queda das posições de nossas universidades nos rankings internacionais, o tráfico de crianças e de drogas, a prostituição infantil e o comércio de órgãos, os escândalos financeiros e a corrupção dos políticos. Em meio a tanto oportunismo e negligência das autoridades ditas competentes, o país caminha e, como diz a canção de Celso Viáfora, “a gente é torto igual Garricha e Aleijadinho e, se não der certo, a gente se vira sozinho”.
Nosso descompasso não é novidade. Sempre fomos o país das dicotomias. Desde a independência, sempre existiram dois Brasis: o dos proprietários e o dos escravos, o oficial e o real, o do litoral e o do sertão e, atualizando outra vez com os versos de Viáfora, “o Brasil Globo de Roberto Marinho e o Brasil garotos do Candeal”. Essas dicotomias não podem ser apagadas e o seu equacionamento é o desafio para os governantes e as novas gerações. No fundo, nenhuma dessas facetas é boa. A primeira (o país oficial) é mentirosa e cínica, e a outra (o país dos desvalidos) é pobre e atrasada.
Entre a tensão dessas realidades, nunca deixou de pulsar a força do povo e de uma cultura autêntica. Ariano Suassuna era a voz que mais alto se elevava em defesa dessa autenticidade. Sua vida e sua obra foram uma bem sucedida transposição da cultura popular nordestina para a cultura erudita. Vociferando contra os modismos, a imitação barata, a mercantilização dos bens culturais e o gosto médio ditado pela americanização dos costumes, ele reivindicava a fusão das artes (poesia, teatro, pintura, gravura, iluminuras, bonecos, circo, música, dança…) numa expressão cujas fontes são a riquíssima herança da cultura ibérica que sobreviveu principalmente no sertão nordestino.
Um patrimônio (ou herança) que, a seu ver, só poderia enriquecer o país e embelezar o mundo. Em outras palavras, ele proclamava o universalismo do sertão. E aí estaria o Brasil autêntico de que tanto precisamos. Não o Brazil que não conhece o Brasil e encontramos nas páginas dos escândalos e das colunas sociais dos jornais.
Para ler outros textos do Professor Veronese, acesse blog CPV (dicas culturais do Verô).