Mario Vargas Llosa: entre a política e a literatura

Por César Veronese, professor do CPV Vestibulares

Mario Vargas Llosa, o mais importante escritor latino-americano vivo e um dos mais aclamados pelo público e a crítica mundial, esteve em São Paulo na última semana, onde participou do vento FRONTEIRAS DO PENSAMENTO, no Instituto Tomie Ohtake. Suas declarações à imprensa, como sempre, acenderam os ânimos dos neoliberais e dos esquerdistas. Llosa, desde seus primeiros textos publicados em jornais, nos idos dos anos 50, jamais escondeu suas preferências políticas. Foi um entusiasta da Revolução Cubana, um apaixonado leitor de Sartre e um defensor da liberdade dos povos latino-americanos. Os rumos do comunismo no leste europeu, o cerceamento das liberdades individuais e a política de Fidel Castro, entre tantas outras decepções, o fizeram abraçar o discurso neoliberal.
No magnífico livro de memórias PEIXE NA ÁGUA, cuja leitura impõe um ritmo de romance de aventuras, ele alterna a narração de sua campanha para a disputa da presidência do Peru, em 1990, com a história de sua vocação de escritor. A vitória e o governo corrupto de Alberto Fujimori deixou uma incógnita: a implantação de uma economia de livre mercado, o estabelecimento de uma democracia moderna e o combate ao grupo terrorista Sendero Luminoso – as plataformas de campanha do escritor -, teriam de fato transformado o Peru?
Após a derrota, Llosa se afastou da vida política e continuou a escrever romances e ensaios. A coroação veio em 2010, com o Prêmio Nobel de Literatura. Nunca deixou, porém, de professar suas ideias políticas. É aqui que se faz necessário fazer uma distinção entre o jornalista, o palestrante, o polemista e o escritor Mario Vargas Llosa. Interessante notar que seus romances nunca estão, como ocorreu algumas vezes, por exemplo, com José Saramago, a serviço de uma ideologia. Suas obras de ficção existem como obras de arte, universos autônomos nos quais não se busca reproduzir a realidade (como queria o romance naturalista), mas recriá-la como um mundo onde o real e a fantasia se fundem para mostrar as potencialidades do humano.
Nesse sentido, suas narrativas encerram uma grandeza humana e literária que se estende muito além de qualquer credo político ou das ideologias em voga à época em que foram ou estão sendo escritas. A CIDADE E OS CACHORROS, romance autobiográfico sobre as experiências terríveis no colégio militar Leoncio Prado, em Lima, é um dos maiores romances de aprendizagem já escritos. O ELOGIO DA MADRASTA, transbordando de sensualidade e sugestões amorosas sem cair uma única vez na pornografia, é uma das mais refinadas obras da história universal da literatura erótica. E A VERDADE DAS MENTIRAS, livro de ensaios sobre romances do século XX, além do brilhantismo de suas análises sobre alguns dos romances chave da modernidade (MRS. DALLOWAY, ADMIRÁVEL MUNDO NOVO, LOLITA), brinda o leitor com uma das maiores declarações de amor já feitas à literatura, o ensaio “A Literatura e a Vida”, no final do volume. (Sugiro ao leitor uma ordem inversa, iniciando o livro por este ensaio.)
E para quem deseja se aventurar pelos caminhos da escrita, suas CARTAS A UM JOVEM ESCRITOR constituem uma leitura imperativa. Escritores e artistas podem ou não assumir posturas engajadas. Mas quando as obras são realmente grandes, o tempo se encarrega de mostrar que fogem sempre ao momento político, às polêmicas e aos modismos.
Ouçamos a voz de Llosa num excerto do referido “A Literatura e a Vida”: “(…) A literatura, ao contrário, diferentemente da ciência e da técnica, é, foi e continuará sendo, enquanto existir, um desses denominadores comuns da experiência humana, graças ao qual os seres vivos se reconhecem e dialogam, não importa o quão distintas sejam suas ocupações e desígnios vitais, as geografias e as circunstâncias em que existem, e, inclusive, os tempos históricos que determinam seu horizonte. (…) E nada defende melhor o ser vivo contra a estupidez dos preconceitos, do racismo, da xenofobia, das afirmações caipiras do sectarismo religioso ou político, ou dos nacionalismos excludentes, como essa comprovação incessante que sempre aparece na grande literatura: a igualdade essencial dos homens e mulheres de todas as geografias e a injustiça que é estabelecer, entre eles, formas de discriminação, sujeição ou exploração”.

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