Sidney Ferreira Leite
O cowboy enigmático vestido de branco que protege pequenos fazendeiros do poderoso latifundiário da região é o tema de Shane (Os brutos também amam, de 1953), considerado, por muitos, o melhor western de todos os tempos. Existe alguma relação, porém, entre esse clássico da sétima arte e o estudo das Relações Internacionais? A resposta o leitor terá ao final desse artigo.
As produções cinematográficas, especialmente as hollywoodianas, são poderosas armas para a apresentação e a divulgação de ideias e valores. Nessa perspectiva, os filmes propagam ideologias, capazes de construir e desconstruir a realidade para milhões de espectadores. Os seus efeitos sempre são enviesados pelas vicissitudes do contexto histórico do momento em que são produzidos. A rigor, os filmes apresentam um olhar, uma perspectiva, uma forma de interpretar e representar. As películas são principalmente instrumentos, por intermédio dos quais certas visões são naturalizadas na sociedade, ou seja, produzem o efeito de verdade. Vejamos, a seguir, alguns exemplos.
Independence Day (1996), lançado após o término da Guerra Fria, defende a ideia de um sistema internacional liderado pelos norte-americanos e pela irresistível e vitoriosa onda de globalização. O seu roteiro apresenta a inverossímil história de uma invasão da Terra por alienígenas. Tal invasão terá como consequência a aliança da humanidade contra o inimigo comum: os invasores. Para as Relações Internacionais, a mensagem da película é nítida, isto é, em um mundo anárquico, os Estados podem deixar os seus interesses em segundo plano e cooperar para o bem maior. Independence Day sugere que a sociedade internacional pode se transformar em uma sociedade nacional ampliada.
As produções cinematográficas são ferramentas para o conhecimento e a compreensão de diferentes fenômenos culturais, políticos e sociais presentes nas Relações Internacionais. Nessa condição, os filmes podem auxiliar a detectar, por exemplo, concepções e ideologias sobre temas, como guerras (O Franco Atirador [1978] e Platoon [1986]), terrorismo (Nova Iorque Sitiada [1998]) e genocídios (Gritos do Silêncio [1984]). De fato, as películas esforçam-se em construir e/ou consolidar concepções, interpretações e valores. Gêneros que não guardam, aparentemente, relação direta com o campo das Relações Internacionais, podem ser guias seguros para a compreensão de tópicos importantes, como as teorias.
O western Shane, por exemplo, é rico em metáforas instigantes para o entendimento das complexas relações entre o Estado e a sociedade, um dos aspectos centrais da teoria realista. O filme tem como pano de fundo a história de colonos que lutam por seus direitos contra grandes criadores de gado. O fazendeiro mais poderoso da região contrata o pistoleiro Jack Wilson para pressionar os pequenos proprietários e o duelo entre o bem e o mau está delineado: de um lado, Shane, e do outro, Jack. Segundo a escola realista, o ambiente internacional é anárquico, não existe autoridade mais elevada que a soberania e o poder do Estado. Nessa senda, como afirmou Tucídides, os fortes fazem o que desejam, enquanto os fracos sofrem como devem. Esse é o mundo de Shane, um ex-pistoleiro que está cansado de violência e quer apenas viver em paz. Porém, o cenário a sua volta é de uma terra sem lei. No filme do talentoso diretor George Stevens, o Oeste é a representação alegórica de um mundo inundado por armas, leis deficientes, ausência de ordem e o poder dos mais fortes. Em outras palavras, uma aula sobre a teoria realista.
Diante do exposto, apenas algumas das múltiplas possibilidades de investigação, parece auspicioso recorrer à sétima arte como fonte para a compreensão das Relações Internacionais. Recomendo ao leitor que pretenda ir mais longe nesse fascinante universo intelectual, duas obras: International Relations on Film, de Robert W. Gregg e International Relations Theory, de Cyntia Weber. Boa leitura e bons filmes.