Geração shopping center vai às ruas

Por Cézar Veronese, Professor do CPV Vestibulares

Os estudantes estão tomando as ruas de São Paulo. Estão protestando. Estão questionando. Como acontece em qualquer protesto em qualquer lugar, alguma coisa se torna o estopim de algo maior. A proibição para rapazes e moças dividirem os mesmos alojamentos na universidade, foi apenas o pretexto para uma rebelião sobre algo maior no Maio de 68 na França.
Aqui são os vinte centavos do aumento do preço da passagem. Os vinte centavos são, com licença pelo clichê, a ponta do iceberg. Por trás dos vinte centavos há os ônibus e trens superlotados. E quem acha que os protestos são apenas um ato de baderna, sugiro um roteiro para um pequeno teste. Dirija-se a qualquer terminal de ônibus, metrô ou trem na hora do rush, tome uma das referidas conduções e faça qualquer trajeto entre um terminal e outro.
Um trajeto, por exemplo, de Osasco para Jurubatuba, da Luz para Rio Grande da Serra ou do Brás para Calmon Viana pode demorar até três horas. A possibilidade de o passageiro embarcar em pé e ter que fazer todo o percurso em pé é de aproximadamente 100%. Nos grandes entroncamentos do metrô, como Barra Funda, Sé ou Brás, o usuário chega a ficar vinte minutos na plataforma para conseguir “entrar” num trem. O nome com que a Prefeitura batizou algumas linhas – Rubi, Esmeralda – parece ser uma piada de mau gosto. Os trens mais se assemelham aos vagões de prisioneiros rumo a um campo de concentração nazista!
Por trás dos 20 centavos, há os guichês de compra de bilhetes. São 5, 7, 10, 12, conforme o tamanho de cada estação. Mas nunca há mais de 2 ou 3 funcionando, inclusive na hora do rush. Há as máquinas automáticas (sucatas europeias), que quase nunca funcionam. Esses guichês foram construídos com dinheiro público. Por que construir dez guichês se nem cinco jamais funcionam simultaneamente? E esse esquema se repete: Maluf, Erundina, Pitta, Marta, Serra, Kassab, Haddad.
Por trás dos vinte centavos há os ônibus com vinte degraus (projeto que deu errado na Europa e foi empurrado para a Prefeitura de São Paulo), que mais parecem uma atração de parque de diversão. E os passageiros tentam se equilibrar ridiculamente nas escadas superlotadas (lembrando as torturas impostas aos judeus nos campos nazistas, quando eram obrigados a subir escadas, de costas, com baldes cheios de água). Há os ônibus e trens novos (alardeados nas propagandas da Prefeitura) mas com menor número de assentos, para poder “socar” mais usuários em pé. Por trás dos vinte centavos, há as catracas dos ônibus colocadas logo na entrada dos mesmos, para forçar o passageiro a transpô-las tão logo entre no veículo e assim não poder se beneficiar do alardeado programa das 4 conduções em 3 horas.
Por trás dos vinte centavos, há os milhares de imóveis vazios e abandonados há décadas nos centros de várias grandes cidades do Brasil. Há o preço exorbitante dos aluguéis e há o aumento do preço da comida. Há o mensalão e há o salário dos professores da rede pública. Há pessoas morrendo por falta de atendimento nas filas dos hospitais públicos e há médicos desligando os aparelhos das UTIs.
Há a vergonha nacional do senhor Renan Calheiros e há o senhor Paulo Maluf (e mais os 350 milhões de dólares que ele usurpou dos cofres da Prefeitura). Há a bancada ruralista do Congresso Nacional e o senhor Aldo Rebelo. Há a bancada dos planos de saúde do Congresso Nacional. Há a folha de pagamento do Congresso Nacional Brasileiro, que é a mais cara do Planeta! Há o pastor Marcos Feliciano e seu ódio. Há as alianças escusas entre os partidos e há os negócios em nome de Jesus…
Por trás dos vinte centavos há os jovens de Londres e da Espanha. Há os velhos desamparados pelo programa de cortes das aposentadorias em Portugal. Há os trabalhadores desempregados da Grécia. Há os poupadores enganados de Chipre. Há a política de austeridade da Comunidade Econômica Europeia. Há o Banco Mundial e o FMI. Há a farsa dos derivativos. Há o movimento dos sem teto de Wall Street. Há a política da Monsanto e a expulsão dos camponeses de suas terras. Há os suicídios dos camponeses endividados nas lavouras da Índia. Há os imigrantes ilegais na França e o circo político da Itália. Há os pobres do leste europeu e a corrupção dos bilionários da Rússia.
Por trás dos vinte centavos há os bancos suíços e as contas bilionárias dos ditadores. Há o negócio da guerra e há a Primavera Árabe. Há os ditadores fugitivos e os ditadores depostos. Há cidadãos da Líbia que ficaram vinte anos encarcerados sem ver a luz do dia. Há os homens e mulheres da Tunísia que finalmente puderam contemplar o azul da sua costa mediterrânea. Há os jovens do Cairo e o povo da Síria. Por trás dos vinte centavos há o mundo que se mobiliza.
Por trás dos vinte centavos há os ESTUDANTES de São Paulo que não querem mais permanecer circulando entre as vitrines de produtos de luxo dos shoppings centers, nem cruzar a cidade dentro de um carro importado com vidros blindados. Há os JOVENS e adultos do Brasil que não se anestesiam com um evento que antigamente se chamava Copa e hoje é apenas um negócio da FIFA. Por trás dos vinte centavos há os CIDADÃOS do Brasil que fazem coro às reivindicações por uma nova ordem mundial: a ordem dos direitos dos indivíduos e do bem-estar social e não a dos interesses anônimos do visor das bolsas de valores e das mentiras políticas.

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