Escassez mundial de semicondutores e chips, e daí? O que isso tem a ver comigo?

Fábio Câmara Araújo de Carvalho

Os semicondutores estão amplamente presentes em nossa vida. Neste momento você está lendo este artigo porque eles existem. Eles são a base dos denominados “chips”, circuitos integrados, que estão presentes em quase tudo que utilizamos hoje, como equipamentos eletrônicos, de comunicação (celulares, tablets, roteadores), computadores, automóveis, máquinas industriais, até mesmo em equipamentos de ginástica e de cozinha (geladeiras, fogões, air fryier, microondas).

A demanda mundial de chips cresce a cada ano e chega em dimensão de trilhões de chips por ano e são necessários dois meses para a produção de um chip, cujo processo de fabricação pode exigir uma média de 3.000 etapas e não há muitas empresas no mundo que os fabricam.

O problema é que o mundo vive uma escassez de chips e isso tem afetado quase todas as empresas que dependem deles para entregar os seus produtos. A mídia tem dado destaque maior a interrupções em fabricação de automóveis, inclusive este blog Not@ Alta tem publicado matérias neste sentido, diante da paralização na indústria automobilística em todo o mundo. No Brasil, já houve paralização de fábricas da Volkswagen, GM, Hyundai, Nissan, Honda, Renaut e Toyota. A GM estima as perdas em 2 bilhões de dólares neste ano, mundialmente a redução da produção é estimada em até 7 milhões de veículos em 2021, 260 mil no Brasil.

Os automóveis exigem uma média de 1.000 semicondutores para funcionamento de todas as facilidades que estão a nossa disposição, como sistemas de infoentretenimento, conectividade Bluetooth, direção, câmbio automático, freios ABS, gerenciamento de motor e controle de AirBag, por exemplo.

Por setor, os equipamentos de comunicação representam consumo de 33% dos chips, seguidos por computadores (28,5%), eletrônicos (13,3%), indústria (13%). Todavia, mesmo a indústria automobilística representando 12,2%, os chips não representam tanto no faturamento das empresas de semicondutores, sendo considerado um setor com menor prioridade diante dos demais mencionados.

O mercado de placas de vídeo dedicadas em computadores também está bastante afetado. A empresa NVIDIA representa 80% do market share deste mercado e o preço médio de uma de suas principais linhas, a série RTX 30, última geração de placas de vídeo para jogos eletrônicos, renderização de vídeos, mineração de criptomoedas, processamento de imagens, chegou a ser comercializado ao dobro ou triplo do preço recomendado pelo fabricante entre 2020 e 2021 em e-commerces como eBay. O mesmo ocorreu com consoles como PlayStation 5 e Xbox Series X, que tiveram aumento médio de 55% nos preços sugeridos em sites de compras online.

Dentre as causas para todo esse problema de escassez de semicondutores e chips, podemos destacar:

  • Pandemia global que fez algumas fábricas pararem temporariamente em 2020. Como o lead time de produção é grande, isto implicou em atrasos nos suprimentos de até dois meses, aumento no custo do transporte entre o sudeste asiático e o vale do silício.
  • A pandemia também fez aumentar o consumo de equipamentos para trabalho em home office, eletrônicos para entretenimento (TVs, videogames), cozinhar e se exercitar.
  • Antes da pandemia, o governo de Donald Trump impôs restrições ao maior fabricante de chips da China, a empresa Semiconductor Manufacturing International Corporation (SMIC). Esta guerra comercial impediu a SMIC de vender chips para algumas das maiores corporações do mundo, como IBM, Apple, Ford e Tesla. Houve um remanejamento de fornecimento para as fábricas de Taiwan (TSMC – Taiwan Semiconductor Manufacturing Company) e Samsung, que já operavam no limite de suas capacidades, produzindo para a Sony, Qualcomm, AMD, NVIDIA, Microsoft e Apple e Intel.
  • Seca na China e baixo volume nos reservatórios de água em Taiwan. Os fabricantes de chips utilizam grande quantidade de água pura. A TSMC, por exemplo, utiliza 63.000 toneladas de água por dia e Taiwan teve a maior seca em mais de 50 anos. Esta empresa é responsável por 84% da produção dos menores e mais modernos chips do mundo. Com um faturamento de US$ 48 bilhões em 2020, ela detém uma tecnologia que nenhuma de suas concorrentes principais – a coreana Samsung e a americana Intel – conseguem copiar atualmente.
  • Houve incêndio em uma fábrica no Japão, a Renesas Electronics Naka Factory, grande fornecedora de mini controladores para a indústria automobilística.

Também devemos reforçar a grande concentração em poucas empresas produtoras de semicondutores e chips mundial. Os maiores fabricantes do mundo são: Intel, Samsung, SMIC, TSMC, SK Hynix, Micron Technology Inc., Qualcomm, Broadcom Inc. e NVIDIA.

Além disso, ainda há necessidade de inovação em produtos e processos para aumentar a capacidade de produção. O presidente americano Joe Biden busca financiamento de até US$ 50 bilhões para reforçar a fabricação de semicondutores nos EUA. O CEO da Intel anunciou um plano de US$ 20 bilhões para expandir a capacidade avançada de fabricação de semicondutores.

Esse contexto problemático nesta cadeia de suprimentos concentrada, pequenos distúrbios geram danos imensos. A previsão deste cenário é que a demanda seja atendida adequadamente apenas em 2023. Não há alternativas, até lá, pagaremos mais caros por quase todos os produtos baseados em semicondutores e chips que utilizamos.

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