Turquia recua, mas danos causados persistem

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, recuou ontem de sua ameaça de expulsar dez embaixadores de países ocidentais que tinham cobrado a libertação do empresário e ativista Osman Kavala – e assim evitou seu maior confronto com aliados ocidentais desde que chegou ao poder. O compromisso é bem-vindo. Mas os danos já causados aos laços com parceiros importantes e à credibilidade da governança econômica da Turquia não serão reparados tão rápido. O episódio destaca, também, o grau alarmante em que a política turca hoje depende do capricho de um dirigente cada vez mais autoritário – e instável. 

Aqueles que buscam dar a Erdogan o benefício da dúvida sugerem que sua fúria contra os diplomatas tinha o objetivo de desviar a atenção do colapso econômico que suas políticas idiossincráticas têm causado. Ele também pode ter buscado apoio patriótico no momento em que ele vai mal nas pesquisas para as eleições presidenciais e parlamentares de 2023. Como seu colega autoritário da Hungria, Viktor Orban, Erdogan enfrenta uma tentativa conjunta de partidos de oposição para tirá-lo do cargo. 

Certamente o atrito também evidencia a profundidade da aversão que o presidente turco tem por Kavala, que acredita ter financiado e incentivado os protestos do “Parque Gezi” em 2013 e a quem acusou de envolvimento na tentativa de golpe de 2016. Parece que Erdogan achou que valia a pena correr o risco da reação negativa à expulsão de dez embaixadores para deixar claros seus sentimentos. 

Mesmo com o compromisso de ontem, no entanto, é provável que o caso amplie a brecha entre a Turquia e os aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e aumente a dependência de Erdogan na Rússia de Vladimir Putin. Isso complicará os esforços de Ancara para adquirir 40 caças F-16 americanos mais novos – e kits para modernizar quase 80 F-16 que já tem – depois que a Turquia foi impedida de receber uma encomenda de caças F-35 de última geração na sequência da compra de um sistema de defesa aérea russo. Ancara já está sob crescente pressão dos EUA e na sexta-feira um tribunal de apelações americano rejeitou o pedido do banco estatal Halkbank de encerramento de um processo em que é acusado de ajudar o Irã a burlar sanções americanas. 

Além disso, embora a lira turca tenha se recuperado de seus níveis mais baixos, a percepção de um presidente caprichoso cada vez mais cercado por bajuladores abalou ainda mais a confiança dos investidores. Um pesado déficit em conta corrente e um estoque considerável de dívida externa de curto prazo de bancos e empresas turcas tornam o país um dos mais vulneráveis a um aperto da política monetária dos EUA. 

O comportamento de Erdogan perturbou os investidores, já desencorajados por sua interferência no banco central, que poderia financiar parte do déficit. Isso aumenta o perigo de uma crise do balanço de pagamentos, há muito prevista, finalmente explodir. 

Os parceiros ocidentais da Turquia foram sensatos quando procuraram acalmar a disputa ao declarar sua conformidade com a regra que prevê que diplomatas têm o dever de não interferir nos assuntos internos dos países onde servem. Erdogan ansiava por um confronto que lhe permitisse culpar inimigos estrangeiros pelas desgraças do país. Mas ao mesmo tempo em que respeitam seus compromissos, EUA e europeus devem continuar a pressionar pela libertação de Kavala – contra quem as acusações são frágeis. Quanto mais Erdogan se afastar disso, mais ele afundará a Turquia em um buraco negro econômico e político. (Financial Times) 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/10/26/erdogan-recua-mas-danos-que-ele-causou-persistem.ghtml

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