Pedro de Santi
SERVIÇO: evento, aberto aos estudantes e funcionários, acontece na próxima quinta-feira, 27/9, às 11h, no Auditório Phillip Kotler, em São Paulo.
Para debater o assunto, os convidados são: Os professores Mario Rene, João Matta, Pedro de Santi e o Dr. Ricardo Alexandre Toniolo, médico pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), especialista em Psiquiatria pelo Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP.
Uma vez mais, vamos conversar sobre depressão. Há muito tempo se diz que ela é o mal do século mas, de poucos anos para cá, parece ter havido um novo avanço nessa forma de sofrimento. E isto aflige a todos nós.
Para começar, é sempre bom lembrar que o termo descreve uma forma de transtorno mental específico, mas também descreve genericamente qualquer forma de afundamento. Entre os dois sentidos, muitos chamam de depressão qualquer forma de tristeza ou perda de interesse ou energia.
A depressão, da perspectiva clínica, é uma forma severa de sofrimento, que envolve um estado longo de humor triste e rebaixado, ideias negativas que, mesmo que justificadas, não parecem proporcionais ao sofrimento sentido. Há um grande peso na depressão, que aflige tanto a pessoa quanto todos aqueles que estejam por perto. Tendo atendido inúmeros pacientes depressivos, descrevo a experiência como a de estar próximo a um buraco negro, que suga toda a energia e vitalidade. É difícil estar por perto da tristeza profunda; corre-se o risco de contágio.
Algo que chama muito a atenção de quem estuda a depressão é o fato de que ela já era descrita, com o nome de melancolia, desde a antiguidade grega, pelo pai da medicina, Heráclito. E a descrição da depressão atravessa milênios de forma relativamente estável. Algo mudou, no entanto: melancolia significa “bile negra” e integrava a teoria dos quatro humores, na Grécia antiga. O melancólico era relacionado aos loucos e aos gênios. Hoje, a ênfase é dada à dimensão de transtorno humor, e menos às ideias que a acompanham.
Neste texto, meu foco não é a depressão clínica, mas a difusão de um sentimento de vazio, tédio e desânimo que parecem muito diretamente relacionado ao nosso contexto social. Cada vez mais jovens veem a passagem para a vida adulta como desanimadora, há a falta de utopias ou sonhos sobre a transformação e melhora do mundo e da vida em geral. E há um excesso de cobranças com relação a assumir autonomia e uma direção profissional. Tornar-se adulto é vivido como um peso que não se quer carregar e pelo qual não parece valer a pena pagar o preço.
Se o ingresso no mundo do trabalho e escolha do vestibular sempre pareceu cobrar cedo demais das pessoas uma definição para a vida toda, este quadro é pior num ambiente em grande transformação tecnológica no qual sequer se pode saber quais empregos existirão em dez ou vinte anos.
Da mesma forma, nosso ambiente social e político tem sido marcados por forte desesperança. Basta dizer que boa parte das intenções de voto para presidente não estão vinculados à esperança ou adesão a algum projeto político, mas sim ao ódio a algum candidato: “ele não e o outro também não”. A negatividade impera.
Tivemos recentemente histórias próximas de nós sobre suicídios de jovens. Estas histórias tristes foram relacionadas a quadros de depressão. Uma vez que uma associação é sugerida, temos a tentação de fixar uma relação de causa e efeito, que não é necessária. Com isto, além do sofrimento grande que já define a depressão, acrescenta-se ainda um estigma: aquele de grupo de risco para suicídio.
No ambiente contemporâneo, a depressão se torna uma espécie de escândalo, algo moralmente recusado. Isto se dá por vivermos num mundo tomado cada vez mais como técnico e capaz de gerenciar tudo, inclusive a vida e os estados de humor, de forma pragmática. Vende-se, mas não se entrega, tecnologias para a felicidade, que passam por medicações ou técnicas de auto-ajuda. Com isto, cria-se a ilusão de que todos podem ser felizes. E se isto é verdade, por que alguém não seria?
A felicidade deixa de ser uma meta para ser um imperativo: temos que ser positivos, felizes, assertivos, empreendedores o tempo todo. Senão, somos tomados como negativos ou resistentes às mudanças. O depressivo é visto de certa forma como um “preguiçoso”, que poderia escolher não ser assim.
Como diz a psicanalista Maria Rita Khel em seu livro O tempo e o cão. a atualidade das depressões (Prêmio Jabuti, 2009), nosso ambiente não guarda um lugar de valor para os estados de tristeza; como introspecção, luto, valor da solidão. E paradoxalmente, o imperativo da felicidade torna-se uma causa específica de depressão.
Quando acompanhamos nossas redes sociais e nos deparamos com fatos e fotos excitantes e vitoriosos de nossos assim chamados amigos, mordemos a isca. Sabemos o quanto editamos nossos próprios posts, cristalizando um momento feliz, tomando a parte pelo todo. Mas este saber não nos poupa da inveja e sentimento de diminuição ante os posts alheios.
Esta nossa depressão passa por uma atitude de desistência em enfrentar as dificuldades da vida real e sustentar o próprio desejo.
Por fim, ver jovens deprimidos e sem tesão, sem perspectivas e desistindo de suas vidas- literal ou simbolicamente- é a mais atual e potente forma de mal-estar na civilização, a denunciar como precisamos transformar nossa qualidade de vida e valores.
Para sermos mais felizes, talvez seja preciso nos livrarmos da obrigação de se-lo. Sobretudo, se-lo o tempo todo, sem o direito de ficarmos tristes e sermos deixados em paz.