Cinema E Publicidade: NO, de Pablo Larraín

Por César Veronese

Semana passada destacamos aqui a excelência do espaço físico e da programação do Centro Cultural do Banco do Brasil. Hoje, destacaremos um filme de referência em cartaz na cidade. Trata-se de NO, do diretor chileno Pablo Larraín.
A história da América Latina se divide em dois tempos, o da colonização portuguesa e espanhola e o pós-independência, que se dá, na maioria dos países, por volta das duas primeiras décadas do século XIX. Desde então, nossa história tem sido, salvo breves respiros, uma história de ditaduras sangrentas, as quais, por sua vez, explicam o subdesenvolvimento do continente.
Se no XIX era a força bruta dos caudilhos que escravizava, torturava e matava índios para controlar os territórios, no século XX o autoritarismo político e o desrespeito aos direitos humanos foi ensinado na forma de cartilha, na famigerada Escola das Américas, no Panamá, sob orientação da CIA. De lá saíram os generais que encabeçaram vários golpes militares na segunda metade do século XX.
E uma das ditaduras mais atrozes, encampada pelo governo dos Estados Unidos, foi a de Pinochet. O golpe destituiu o presidente democraticamente eleito, Salvador Allende, e a junta liderada pelo general governou o país por mais 15 anos.
Em 1988, a pressão dos civis, da opinião pública, bem como de vários governos, intelectuais e organizações internacionais pró-direitos humanos deixam Pinochet numa situação bastante difícil. O ditador decide então realizar um plebiscito, para a população decidir se ele deve ou não permancer no poder. São concedidos 15 minutos diários à oposição para realizar sua campanha na televisão em favor do NO. O governo, por sua vez, organiza, em desespero, a tentativa de ganhar o SÍ.
O filme de Pablo Larraín, com Gael García Bernal no elenco, debruça-se sobre farto material de arquivo (a maior parte inédito) para construir uma narrativa nada maniqueísta sobre esse momento crítico enfrentado pela ditadura. A produção, segundo declaração de um dos produtores na pré-estreia do filme na Mostra Internacional de São Paulo, em outubro de 2012, se esfalfou para achar câmeras como as que eram usadas nos anos 80, a fim de dar uniformidade às imagens de arquivo e à trama criada pelo diretor. O efeito final é perfeito, pois a película apresenta a homogeneidade da imagem granulada.
Mas o valor primacial do filme está no papel da publicidade. A indústria publicitária, como tantas outras, caminha numa corda bamba. Por um lado, necessita dos anunciantes, por outro precisa conciliar o difícil e delicado limite entre as qualidades do produto e a questão ética. Mais complexa ainda, talvez seja a questão do marketing político.
NO é um momento chave para essa discussão. São centenas de milhares de perseguidos, torturados, mortos e desaparecidos. E o ponto final dessa história monstruosa está nas mãos de uma agência de publicidade. É um produto, claro, o que os proprietários da agência venderão, mas um produto que reescreverá o destino de um país e de um continente. A publicidade, pode, portanto, organizar a História.
O filme de Larraín é um recorte político de um momento específico da história do Chile. Quem desejar, no entanto, enveredar pelos meandros da ditadura de Pinochet, deve assistir ao conjunto dos filmes de Patrício Guzmán.
Guzmán, hoje vivendo em Paris, foi preso e levado para o Estádio Nacional, quando aconteceu o golpe. Fugiu para a França, amigos contrabandearam imagens que ele vinha fazendo sobre a resistência do governo Allende aos vários boicotes econômicos, e, desde o final dos anos 70, dedicou e continua a dedicar sua vida à reconstituição da história recente do Chile.
THE BATTLE OF CHILE (com quase 5 horas de duração), SALVADOR ALLENDE e NOSTALGIA FOR THE LIGHT (todos inéditos no Brasil mas lançados em dvd nos Estados Unidos e na Europa) são alguns títulos essenciais desse capítulo da história chilena. LA CRUZ DEL SUR (inédito em dvd) é outro trabalho soberbo de Guzmán, voltado para a ação da Teologia da Libertação na América Latina.
É isso aí. Desde Aristóteles, sabemos que o homem é um ser político. Então, assistir a filmes sobre política, mais que uma atitude cívica ou acadêmica, é afinar-se com um dos substratos da nossa condição de seres humanos.
Locais e horários: NO, que estreou em dezembro no circuito, está quase se despedindo das telas da cidade. Pode ser visto no CINE SEGALL, no espaço do próprio museu (Rua Berta, 111, na Vila Mariana) e no IGUATEMI CINEMARK 3

Comentários estão desabilitados para essa publicação