Denise Fabretti
A presente coluna tem a finalidade de provocar uma reflexão a respeito do descarte de medicamentos e testes de saúde e gravidez realizados de forma caseira.
A reflexão sobre o tema é importante uma vez que o consumidor, como destinatário final desses itens, nem sempre possui esclarecimentos necessários para efetuar o descarte correto e responsável.
As normas de defesa do consumidor visam a proteção daquele que adquire um produto ou serviço como destinatário final, ou seja, sem a intenção de exercer o papel de revendedor e portanto, é a última pessoa da cadeia produtiva que guarda consigo um determinado produto. Pois, de acordo com o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Todavia, é importante e necessária a conscientização e a educação do consumidor no sentido de informá-lo sobre os riscos de descarte de produtos que ficam em seu poder. Entre esses produtos destacam-se os medicamentos com prazo de validade vencida, embalagens vazias, testes de detecção de Covid, testes de glicemia (aqueles em que o consumidor deve usar uma fita descartável onde coloca uma gota de sangue para avaliar seus índices glicêmicos), testes de gravidez etc. Esse material tem características semelhantes ao lixo hospitalar.
Entre os preceitos básicos de defesa do consumidor destacam-se os seguintes direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor: proteção da vida, saúde e segurança (art. 6º I); educação para o consumo adequado e liberdade de escolha entre os diversos produtos e serviços oferecidos no mercado e igualdade nas contratações ( art. 6º II) ; informações adequadas e claras sobre as propriedades de produtos ou serviços adquiridos( art. 6º, III).
Uma vez que o consumidor, por definição legal, é o destinatário final de produtos adquiridos, como deve ser informado a respeito do descarte de medicamentos? Como deve proceder para descartar exames realizados em casa para detecção de possíveis doenças? A comunicação atual é satisfatória?
Em 2020 uma pesquisa realizada com estudantes universitários de curso de Farmácia de uma Universidade privada de Fortaleza, (CE) utilizando uma amostragem de 100 acadêmicos, demonstrou que: em relação ao local de descarte, 41% (N=41) afirmam que o local mais conhecido eram farmácias e 98% (N=98) concordaram que o descarte incorreto pode prejudicar o meio ambiente e 2% (N=2) disseram que o descarte não gera prejuízos ao meio ambiente 56% (N=56) dos alunos relataram conhecer algum tipo de legislação sobre o descarte de medicamentos e 44% (N=44) desconhecem qualquer informação sobre legislação.https://periodicos.ufms.br/index.php/sameamb/article/view/10964 Segundo o artigo publicado em https://www.redalyc.org/journal/339/33957744007/html/ a maioria das pessoas desconhece o descarte adequado e o sistema de postos de coleta desse material.
A pesquisa foi aplicada em centros urbanos e os resultados são os seguintes:
· 2000 pessoas no Município de Catanduva, onde 30,8% dos entrevistados guardam esses medicamentos para utilizarem novamente e 30,45%, estão aqueles que apontam que as sobras de medicamentos são descartadas no lixo (Gasparini e Frigieri, 2011).
Na região de Campinas, 88,6% de 141 pessoas entrevistadas afirmaram descartar seus resíduos farmacológicos no lixo doméstico; 9,2% o descartam pelo esgoto e 2,2% têm outro meio de fazê-lo. No estudo realizado por Ueda et al. (2009) na .Quanto ao impacto ambiental causado pela ação, constatou-se que apenas 28,4% dos entrevistados já se ativeram à questão, os demais nunca pensaram a respeito.
Pesquisa realizada por 613 alunos na região de Paulínia, na qual verifica-se que 62% do total de entrevistados fazem o descarte no lixo comum, 19% na água corrente, sendo que somente 4% destinam os medicamentos adequadamente em postos de saúde, farmácias ou centros comunitários (Maria et al., 2014).
No Reservatório Billings, o Diclofenaco, o Ibuprofeno e a Cafeína foram os principais medicamentos identificados em maiores concentrações (Almeida e Weber 2005; Borrely et al., 2012), podendo, portanto, causar diversos problemas à saúde. Nos estudos realizados por Kummerer (2010) e Henriques et al. (2010) a exposição crônica a concentrações baixas de certas classes de fármacos existentes no meio ambiente, como os antineoplásicos, hormônios, antidepressores, antibióticos, analgésicos, anti-inflamatórios, antipiréticos e reguladores lipídicos, podem originar efeitos muito adversos na saúde humana; nomeadamente, lesão celular, desregulação endócrina, infertilidade, alteração comportamental, resistência aos antibióticos e alteração da pressão arterial, entre outros.
Esses estudos demonstram questões ambientais e de responsabilidade social que impactam diretamente a vida da coletividade.
Quais as responsabilidades dos fabricantes, importadores e pontos de venda que colocam esses produtos no mercado? Há necessidade de se implementar melhorias, por parte dos fornecedores, no que se refere a comunicação adequada sobre o descarte desses resíduos e respectivas responsabilidades ambientais que esse descarte provoca.? Quais as responsabilidades legais dos fornecedores? A responsabilidade pelo descarte compete apenas ao consumidor?
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) – Lei 8078/90 – é claro quanto as responsabilidades sobre a comercialização desses produtos pois, a relação jurídica entre fornecedor e consumidor é pautada por direitos e obrigações. Se o consumidor é detentor dos direitos descritos no art. 6º do CDC, I, II e III, na outra extremidade da relação de consumo está o fornecedor que tem o dever legal, ou a obrigação legal de preservar a vida, a saúde e a segurança não somente de um consumidor, mas, obviamente, da coletividade.
Ensinar o consumidor a descartar de forma adequada medicamentos, embalagens e principalmente, testes realizados para detecção problemas de saúde ou um simples teste de gravidez, constituiu uma obrigação legal do fornecedor, ou seja, daquele que coloca medicamentos, testes etc. no mercado de consumo.
O CDC esclarece que as responsabilidades sobre o fornecimento de produtos competem ao fabricante ou ao importador. O comerciante somente será responsabilizado na hipótese em que a embalagem do produto comercializado não contenha a identificação de quem fabricou ou importou o medicamento ou teste: Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.
§ 1º Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam acompanhar o produto.
O art. 12 do mesmo Código assegura que: Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
A obrigação do fornecedor, quanto à educação do consumidor, está além da informação sobre as características do produto ou serviço. Educar o consumidor no caso de uso de medicamentos e exames, significa esclarecer como usar o medicamento ou o exame e, uma vez que este está em poder do destinatário final, ensinar a descartar adequadamente e com segurança aquilo que está em seu poder. As bulas e indicações de consumo desses produtos trazem informações completas sobre o uso, riscos e advertências quanto à superdosagem por exemplo. São
informações completas e educativas. Todavia, não contém qualquer informação sobre o descarte desses itens.
Educar o consumidor para o descarte responsável envolve princípios básicos de responsabilidade social e sustentabilidade. Corresponde aos compromissos do fabricante ou importador com as questões sociais e ambientais. Consiste, também no fato das empresas adequarem seus procedimentos aos preceitos de compliance.
Muitas empresas divulgam as suas ações e políticas em relação a sustentabilidade e a responsabilidade social. Todavia, poucas esclarecem os consumidores a respeito do descarte responsável dos produtos e respectivas embalagens que fabricam ou importam.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) criou, em 2014, o Manual de Descarte Responsável(https://www.idec.org.br/uploads/publicacoes/publicacoes/Manual_completo.pdf) e as autoridades têm desenvolvido políticas públicas no sentido de educar a população sobre a necessidade de pensar e conhecer as formas para descartar conscientemente resíduos de produtos, embalagens e componentes. Mas essa comunicação tem sido suficiente?
Quanto aos medicamentos com prazo de validade vencida, existe a política no sentido de encaminhar o consumidor ao ponto de venda (farmácias) para fazer uma devolução segura. Mas, quantos fornecedores diretamente responsáveis pelos produtos e exames, esclarecem o consumidor sobre os procedimentos que devem ser adotados para o descarte seguro e responsável?
Os laboratórios divulgam em seus sites a política de logística reversa implementada pelo Decreto 10.388/20 que regulamenta a Lei Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010). Porém, nada consta nas embalagens e bulas de medicamentos, testes etc.
E você? Como faz o descarte desses produtos?
Profa. Dra. Denise Fabretti
Professora do Curso de Comunicação e Publicidade da ESPM-SP