Uso de algoritmos em anúncios está no centro do debate

Pouco conhecida fora do meio publicitário, a expressão “mídia programática” está no centro das suspeitas de favorecimento do Facebook pelo Google, sob investigação nos Estados Unidos. O sistema, que é usado em campanhas digitais, filtra e identifica os sites e as páginas mais adequados para o anunciante, de acordo com seu público de interesse. 

“A programática permitiu que agências e anunciantes falassem com diversas empresas ao mesmo tempo de forma automática”, diz Nathalie Folco, diretora de inovação e inteligência de dados da agência Ágora. “Isso facilitou a chegada dos anúncios e deu rentabilidade aos veículos.” 

Quanto mais de um anúncio se encaixa no mesmo perfil, em vez de conceder o espaço publicitário ao primeiro que chegar, o sistema adota um modelo mais rentável: o de quem paga mais. É o leilão por espaços de mídia conhecido como “head bidding”. 

Para incrementar sua plataforma de gestão de anúncios digitais, o Ad Manager, o Google lançou seu próprio sistema de leilões, o Open Bidding. “O Google entrou com sua estrutura de nuvem de forma muito mais rápida e dinâmica”, diz Nathalie. “Tudo é feito em questão de segundos por meio de algoritmos.” 

O que as autoridades dos EUA querem saber, agora, é se a empresa de Mark Zuckerberg recebeu o dobro do tempo regular para que seus robôs avaliem as propostas concorrentes e façam os melhores lances por anúncios no Google. 

Procurado pelo Valor, o Google disse que não há qualquer favorecimento à rede de publicidade do Facebook (FAN, na sigla em inglês) no Open Bidding, que conta com mais de 25 parceiros. “A FAN deve fazer o lance mais alto para ganhar uma determinada impressão. Se outra rede qualificada fizer um lance mais alto, ela ganha o leilão”, diz Adam Cohen, diretor de políticas econômicas do Google, em postagem no site da empresa. 

O Facebook afirmou que parcerias como a do Google são comuns no setor e que tem acordos com diversas empresas. “O Facebook continua a investir nessas parcerias e a criar novas, que ajudam a aumentar a concorrência em leilões de anúncios para criar os melhores resultados para anunciantes e editores”, disse a empresa, em comunicado. “Qualquer sugestão de que esse tipo de acordo prejudica a concorrência é infundada.” 

A mídia programática não se resume à rede das gigantes de internet. Outras empresas têm descoberto maneiras de aplicar os algoritmos aos anúncios, sem entrar em concorrência direta com os gigantes. “Com a programática, você pode chegar a diferentes destinos de publicidade, e a diferentes perfis de clientes, que normalmente não conseguiria com o Facebook e o Google”, diz Juan Echavarría Coll, diretor- presidente da Rocket Lab, empresa especializada em mídia para aplicativos móveis. 

Coll afirma que as plataformas das “Big Techs” já estão saturadas de anunciantes, o que eleva o preço do leilão para alcançar a audiência desejada. “Os anunciantes devem estar cientes de que existe um universo além do Google e do Facebook que pode ajudá-los a crescer”, afirma. 

Adam Singolda, diretor-presidente da Taboola, empresa americana que opera uma plataforma de publicidade atrelada a notícias, diz que a oferta de serviços como buscas e redes sociais prestados por Google e Facebook gera uma crise de identidade nessas empresas, que ora concorrem, ora se aliam a outras mídias on-line. “Como prestam serviços diretamente ao consumidor, elas acabam disputando a atenção do usuário com outras plataformas. E atenção é a maior moeda que temos hoje.” 

O impasse entre a exibição de notícias no Google e no Facebook, sem remuneração aos criadores de conteúdo, é um exemplo dos conflitos citados por Singolda. O Google já tem um programa para remunerar empresas de mídia em alguns países, inclusive no Brasil. A novidade é que, na Austrália, tramita um projeto que não só obriga esse pagamento como prevê que as companhias jornalísticas possam negociar em grupo, o que aumenta seu poder de barganha. 

Pelo projeto de lei, se não houver acordo sobre o preço, uma organização independente definirá o valor a ser pago. Além disso, o Google e o Facebook teriam de comunicar às empresas de mídia, com antecedência, mudanças em seus algoritmos capazes de causar impacto na maneira como as notícias são exibidas. 

Na semana passada, o grupo News Corp, do empresário australiano Rupert Murdoch, anunciou um acordo com o Google para remunerar a produção jornalística do grupo, incluindo títulos como “The Wall Street Journal” e “New York Post”. 

A Taboola, que se prepara para abrir capital na Nasdaq no segundo trimestre, explora a publicidade no que chama de “internet aberta”, incluindo sites, aplicativos móveis e TVs inteligentes. A companhia investe cerca de US$ 100 milhões por ano em inovação, incluindo inteligência artificial. 

Em janeiro, a Taboola começou a testar o “Taboola Stories”, postagens de curta duração feitas nos moldes das redes Snapchat e Instagram e que podem ser usadas pelos sites parceiros. 

“Estou bastante otimista, mesmo que existam grandes plataformas dominantes”, diz Singolda. Entre as oportunidades mais promissoras estão serviços de notícias que já vêm embutidos em sistemas para smartphones, como o Apple News, afirma o empresário. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/02/24/uso-de-algoritmos-em-anuncios-esta-no-centro-do-debate.ghtml

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