Uruguai: Porque deveríamos prestar mais atenção ao nosso vizinho no sul?

Roberto Rodolfo Georg Uebel

Coordenador do Núcleo de Estudos e Negócios Americanos – NENAM

O Uruguai sempre despontou na América Latina como um dos raros casos de países com estabilidade política duradoura no hemisfério, o que faz a maioria das pessoas pensarem que pouco acontece por lá e, portanto, não seria um país relevante. Porém, na realidade, o paisito goza de uma posição geográfica extremamente estratégica na América do Sul especialmente por conta do acesso à Bacia do Rio da Prata como rota comercial e controle de recursos hídricos estratégicos, e por isso sempre foi uma das grandes prioridades para as aspirações do Brasil e de sua política externa na região, principalmente no âmbito econômico e comercial.

Com isso, o Brasil é o maior parceiro comercial do Uruguai no comércio internacional, sendo o que mais exporta e o 2º país que mais importa dos uruguaios, ficando atrás apenas da China, e totalizando aproximadamente US$ 5 bilhões no comércio bilateral apenas em 2024. Outro aspecto essencial das relações Brasil-Uruguai é o MERCOSUL e sua manutenção como união aduaneira e bloco comercial, principalmente com a ascensão de Milei na Argentina e um isolamento dos argentinos do bloco influenciados pelo presidente direitista, e por isso que é do interesse brasileiro que o Uruguai continue como um parceiro equilibrado e estável politicamente, apesar das recentes discordâncias do governo uruguaio sobre as tarifas que o bloco impõe sobre o comércio com outros países e também sobre um possível acordo comercial com a China. Com isso, é de suma importância discutir sobre a importância econômica, comercial e diplomática do Uruguai para a região do Conesul e o Brasil também, além da estabilidade política característica do país e possíveis ameaças contra ela.

Primeiramente, é essencial destacar a importância do Uruguai para a América do Sul.

Os uruguaios sempre tiveram a defesa do livre comércio como um dos pilares de sua política externa, principalmente depois da Guerra Fria e com sua redemocratização interna após uma ditadura militar brutal e repressiva que durou de 1973 até 1985. De 1986 até 1994, o país sediou a Rodada Uruguai do GATT em Punta del Este, que definiu parâmetros para as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), e o governo uruguaio na época usou da posição de sede para pressionar a organização por melhor regulação no comércio internacional de commodities, por ser um país com um setor agropecuário responsável por aproximadamente 70% da pauta exportadora nacional, semelhante a maioria da pauta exportadora dos outros países sul-americanos porém com uma dependência. Outro aspecto importante do Uruguai como parceiro comercial especialmente dentro do Mercosul, é o auxílio que o país oferece como hub logístico e de internacionalização para empresas brasileiras e argentinas que desejam se internacionalizar, ou já operam fora de seus países de origem e usufruem dos custos inferiores que o Uruguai oferece.

Um exemplo prático disso são os portos de Montevidéu e Nueva Palmira(fluvial), que empresas brasileiras tendem a usar para desviarem dos congestionados fluxos de portos como os de Santos e Paranaguá, com o governo uruguaio inclusive oferecendo a empresas do Rio Grande do Sul, o porto de Montevidéu para o escoamento e para o recebimento de mercadorias também. Já o porto de Nueva Palmira no Rio Uruguai, é um importante ponto para o fluxo de navios brasileiros transportando minério de ferro e grãos vindos de rios da região Centro-Oeste (que escoam para navios maiores ao chegarem), principalmente a partir da Hidrovia Paraguai-Paraná.

Quanto a instalação de empresas de países vizinhos, o Uruguai também tem se destacado como uma opção com menor risco político em relação a Argentina e ao Brasil, e com isso o país tem sido proeminente em atrair empresas desses países, principalmente startups, tendo atingido o 4o lugar dentre países da América do Sul no Global Startup Index Report de 2021.

Uma das empresas brasileiras que recentemente se internacionalizou para o Uruguai foi a GetNet, a mais recente startup unicórnio brasileira de serviços financeiros, que inclusive introduziu o método de pagamento Pix no país, que já é parte do cotidiano do Brasil há certo tempo, além de ter sido assinado recentemente um memorando de entendimento entre o Instituto Caldeira e o Uruguay Innovation Hub, para uma conexão maior entre startups uruguaias e empresas brasileiras.

Quanto a empresas argentinas, o Mercado Livre tem se destacado recentemente no Uruguai, principalmente ao colocar sua sede em Montevidéu, além de estar investindo na abertura de centros logísticos no país, e na implementação do Mercado Pago também no Uruguai. E essa menor dificuldade em adentrar o mercado uruguaio em relação a outros países da região, tem chamado a atenção de empresas chinesas e da própria China no país, com o Uruguai tendo assinado um acordo de cooperação em assuntos de defesa com a China, além de pressões do governo uruguaio contra o Mercosul para a assinatura de um acordo comercial bilateral com a China, pois o presidente uruguaio Lacalle Pou não via um acordo em bloco com os chineses como prioritário para os membros restantes do bloco, fazendo com que ele na presidência rotativa da união aduaneira, tenha retomado as negociações para um acordo comercial Mercosul-China. Dessa forma, também é de suma importância refletir sobre a estabilidade política oferecida pelo Uruguai e que atrai

tantas empresas e pessoas para o país.

O Uruguai ao longo de sua história política, foi marcado por um bipartidarismo vindouro do século XIX entre o Partido Nacional e o Partido Colorado, até a eleição de José Alberto Mujica, popularmente conhecido como “Pepe” Mujica, que ficou conhecido no país ao lutar contra a ditadura cívico militar uruguaia com a Guerrilha dos Tupamaros, e após a redemocratização fundou o partido de esquerda MPP (Movimiento de Participación Popular), pelo qual foi eleito Presidente da República Oriental do Uruguai em 2009, e implementando diversas reformas sociais, além de rejeitar os “penduricalhos” oferecidos pelo poder público, que considera até hoje como luxos desnecessários.

Mujica também fortaleceu uma imagem progressista do Uruguai durante seu mandato presidencial que durou até 2015, a partir da legalização do aborto, do uso recreativo e medicinal da maconha, que foram medidas que permanecerem inclusive durante o governo do centro-direitista Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional, que foi substituído ao final de seu mandato em março de 2025 por Yamandú Orsi, do mesmo partido de Mujica.

E o progressismo nas políticas públicas do Uruguai não é historicamente novo no país, tendo começado com o presidente José Batlle Ordoñez que foi presidente de 1903 até 1907 e de 1911 até 1915, a partir da instituição da separação entre Estado e Igreja (Estado laico), Estado de bem-estar social a partir da universalização da educação pública, sistema previdenciário e legislação trabalhista, sendo alcunhadas sob o Batllismo até hoje no debate político uruguaio. Porém, essa estabilidade política e convivência harmoniosa até mesmo entre opositores políticos no Uruguai, que poucos países além dele conseguem oferecer atualmente, pode estar em risco se o partido Cabildo Abierto que possui raízes na extrema direita, algum dia chegar ao poder.

O partido foi fundado em 2019 pelo general reformado Guido Manini Rios, após ser destituído do cargo de ex-comandante em chefe do Exército Uruguaio por críticas ao governo do então presidente de esquerda Tabaré Vazquez, e elegeu 3 senadores e 11 deputados nas eleições do mesmo ano(11,04% dos votos totais), conseguindo assim integrar o governo de Lacalle Pou a partir de 2 ministérios, o que rendeu críticas da população por propostas como revisão da legalização da cannabis, direitos LGBTQIA+ e outras pautas da atual direita conservadora, fazendo com que elegessem em 2024 apenas 2 deputados(1,8% dos votos). Contudo, mesmo com o partido perdendo relevância, é necessário com que, as empresas que mudaram parte de suas estruturas para o Uruguai por conta do livre trânsito que o Uruguai oferece como membro do Mercosul para as empresas que já estejam instaladas em países do bloco, além de todos os fatores estratégicos como localização geográfica, menor tributação, estabilidade e afins, estejam atentas às possíveis mudanças de paradigma no cenário político uruguaio, mesmo que improváveis de chegarem ao poder.

Por fim, é possível observar que o Uruguai é um país complexo e com diversas camadas políticas, apesar de se mostrar extremamente estável em comparação com o resto da América do Sul e da América Latina como um todo. Com isso, é um país que o Brasil deveria usar mais de exemplo para atingir objetivos políticos nacionais, mesmo que se tenham apenas pouco menos de 3,4 milhões de habitantes por lá. Além do mais, a sociedade civil deveria também ter mais olhos para o paisito, por ser um país vizinho e por compartilhar de semelhanças históricas e culturais com o Brasil. Logo, o Uruguai é um país que deveria ser mais bem visto por todas as perspectivas da sociedade brasileira.

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