Unilever dá adeus à Kibon e ao ativismo da Ben & Jerry’s

É difícil encontrar uma pessoa triste com um sorvete nas mãos. Mas esse parece ser o caso da Unilever. Um dos maiores anunciantes do mercado global de publicidade, a empresa vai se desfazer de sua operação de sorvetes até o fim de 2025.

Dona de marcas como Magnum, Ben & Jerry’s e Kibon, a Unilever está no negócio de sorvetes há mais de 100 anos e tem cinco das dez marcas mais vendidas no mundo, faturando US$ 8,6 bilhões no ano passado

Segundo a Unilever, a operação de sorvetes poderá dar origem a uma nova empresa listada na bolsa, ou ser vendida em partes. Na visão de analistas como Bruno Monteyne, da gestora AllianceBernstein, a Unilever tentou buscar compradores, mas não encontrou interessados em pagar o preço desejado pela companhia. 

Não é segredo que os investidores da Unilever há tempos andam insatisfeitos com a companhia, que tem tido um desempenho em bolsa abaixo de seus pares nos últimos anos. Neste ano, as ações da Procter & Gamble alcançaram uma alta superior a 10%, comparado a pouco mais de 3% da Unilever. Nos últimos 10 anos, os papéis da Procter & Gamble superam a Unilever com um alta anualizada de mais de 10%, enquanto a Unilever sobe 5%, segundo dados da PortfolioLab. 

Segundo relatório do Barclays, o sorvete tem sido “diluidor” no desempenho histórico da Unilever. Os analistas sugerem que a cisão é mais um passo para a companhia mudar seu portfólio mais em direção a HPC (cuidados pessoais e domésticos). 

Ou seja, terminada a liquidação dos sorvetes, o próximo alvo poderá ser a divisão de alimentos da companhia, que inclui marcas como Hellmann’s e Knorr, com margens menores em comparação a outros produtos da empresa. 

A separação das áreas de alimentos e negócios de cuidados domésticos e pessoais é um desejo que cresceu rapidamente entre os investidores da Unilever à medida que os resultados da companhia desapontaram.

Os investidores comemoraram a notícia da separação da área de sorvetes, que veio acompanhada pela notícia de 7.500 cortes de funcionários e US$ 870 milhões de “economias” em três anos. No dia do anúncio, as ações da companhia subiram mais de 3%. 

Questionada sobre o fato de o CEO Hein Schumacher no ano passado ter destacado aos acionistas que ter um propósito não era relevante para algumas marcas, e se isso teria relação com a venda da área de sorvetes, a Unilever negou. 

“Esta decisão da companhia está diretamente relacionada às medidas de aceleração do seu Plano de Ação de Crescimento (GAP, sigla em inglês)”, disse, por meio de nota, Suelma Rosa, diretora executiva de reputação e assuntos corporativos da Unilever Brasil & América Latina. “Sobre propósito, para a Unilever, ele precisa ser tão legítimo quanto relevante e, por isso, ele continua sendo uma parte muito importante na proposta de algumas de nossas marcas”. 

A executiva diz ainda que “Dove e Hellmann’s, por exemplo, têm propósitos socioambientais bastante claros como parte essencial de sua estratégia de marketing e posicionamento perante os consumidores – no Brasil e no mundo. Estas e outras marcas serão incentivadas a continuar desenvolvendo seu propósito como algo essencial para sua presença no mercado. No entanto, para que a proposta de valor seja clara e efetiva, ela precisa ter uma conexão genuína entre marca, produto e consumidor – o que não funciona indiscriminadamente para 100% de nosso portfólio”. 

Ao se desfazer da área de sorvetes a Unilever também se livrará de um problema crescente. Comprada há mais de 24 anos pela Unilever, a Ben & Jerry’s já foi considerada uma joia da coroa das marcas da gigante. Notória por vendas e lucros crescentes, nos últimos anos a Ben & Jerry’s tornou-se mais conhecida por seu ativismo e conflitos com a Unilever. 

Após a invasão de Israel pelo Hamas e o início da guerra, Anuradha Mittal, presidente do conselho independente da Ben & Jerry’s, criticou a campanha de Israel em Gaza. Mittal, que lidera o “think-tank” progressista Oakland Institute, expressou apoio à Palestina em várias postagens nas redes sociais. 

O Centro Simon Wiesenthal, organização judaica de direitos humanos, pediu boicote à Ben & Jerry’s em resposta às declarações de Mittal. O investidor ativista Nelson Peltz, membro dos conselhos da Unilever e do Centro Wiesenthal, discordou publicamente das declarações políticas da Ben & Jerry’s. Peltz posteriormente renunciou ao conselho do Centro Simon Wiesenthal.

Para os críticos, a Ben & Jerry’s seria um exemplo de marca “super- woke” ou sorvete da esquerda-radical. 

Questionada se os problemas com a Ben&Jerry’s pesaram na venda, Rosa afirma: “Este movimento não é sobre Ben & Jerry’s. Trata-se da separação da divisão de sorvetes e do lançamento de um importante programa de produtividade da companhia globalmente. A empresa está confiante no potencial de crescimento de todas as suas marcas de sorvetes com essa nova estrutura independente”. 

Outro ponto sensível da Ben & Jerry’s e seus pares é que os sorvetes são um pesadelo ambiental e de logística. Tudo precisa estar sempre gelado, consumindo altas quantidades de energia. Atualmente, as marcas de sorvete da Unilever respondem por cerca de 10% das emissões de gases de efeito estufa da empresa. Um número que todas as grandes corporações estão sendo pressionadas para reduzir. 

A venda da operação de sorvetes só deve ser concluída no final de 2025. Desse modo, a expectativa é de que qualquer mudança, mesmo uma separação ou venda da área de alimentos, só aconteça após uma definição mais clara do destino da operação de sorvetes. 

Se Schumacher conseguir provar que o problema da Unilever são sorvetes e alimentos em geral, seus pares não poderão ignorar. Então os rumos das gigantes de consumo e do setor de nutrição devem ser redefinidos. 

Já na área de marketing a Unilever é referência em campanhas e construção de marcas. Também é um dos maiores anunciantes do mundo. Se os seus bilhões em marketing forem para outro lugar, o natural é que o ecossistema a acompanhe. 

Por fim, observar a Ben & Jerry’s também será um exercício importante. Afinal, em um mundo cada vez mais polarizado, faz sentido uma marca escolher um lado? A Unilever parece apostar que não. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/04/01/unilever-da-adeus-a-kibon-e-ao-ativismo-da-ben-jerrys.ghtml

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