Trio vence o Nobel de Física por estudo sobre elétrons

Três cientistas ganharam o prêmio Nobel de Física ontem por nos proporcionar o primeiro vislumbre, de frações de segundo, do universo superacelerado dos elétrons em seu movimento giratório, um campo que poderá, algum dia, levar ao aperfeiçoamento da eletrônica ou do diagnóstico de doenças. 

O prêmio foi para a física franco-sueca Anne L’Huillier, o cientista francês Pierre Agostini e o cientista nascido na Hungria Ferenc Krausz, por seu trabalho com a parte minúscula de cada átomo que se gira rapidamente em torno do centro e que é fundamental para atuarmos virtualmente em todos os campos: química, física, nossos organismos e nossos dispositivos. 

Os elétrons se movem tão rapidamente que, até agora, os esforços humanos não conseguiram isolá-los, mas, ao examinar a fração mais ínfima possível de um segundo, os cientistas têm agora um vislumbre “borrado” deles, e isso abre novas ciências inteiras, dizem especialistas. 

L’Huillier, da Universidade Lund da Suécia, é a quinta mulher a receber um Nobel em física. 

“A todas as mulheres, digo: se você está interessada, se você tem um pouco de paixão por esse tipo de desafio, esforce-se ao máximo para enfrentá-lo”, disse L’Huillier à AP. 

Os cientistas, que trabalharam separadamente, usaram pulsos cada vez mais acelerados de laser para captar a ação atômica que ocorria a velocidades tão vertiginosas – um quintilionésimo de segundo, conhecido como um attosegundo –, algo como a maneira pela qual os fotógrafos usam obturadores rápidos para captar um beija-flor se alimentando. 

O quanto isso é pequeno? 

“Tomemos um segundo, que é o tempo de um batimento cardíaco”, disse a presidente da Comitê do Nobel, Eva Olsson. Para obter o domínio do attosegundo, ele teria de ser dividido por 1.000 por seis vezes. 

O físico Mark Pearce, um dos membros do Comitê do Nobel, disse que “há tantos attosegundos em um segundo quanto os segundos que se passaram desde o Big Bang, 13,8 bilhões de anos atrás”. 

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04/10/2023, 15:03 Trio vence o Nobel de Física por estudo sobre elétrons | Mundo | Valor Econômico 

Mas, mesmo quando os cientistas “veem” o elétron, o que conseguem ver é limitado.
“Pode-se ver se ele está de um lado da molécula ou do outro”, disse L’Huillier, de 65 anos. “É, mesmo assim, muito borrado.” 

“Os elétrons se parecem muito mais com ondas, com ondas de água, do que com partículas, e o que tentamos medir com nossa técnica é a posição da crista das ondas”, acrescentou ela. 

Os elétrons são fundamentais porque “é por meio deles que os átomos se ligam entre si”, disse l’Huillier. É onde ocorrem as reações químicas. 

“Os elétrons, apesar de não podermos vê-los, são onipresentes na nossa vida – nossa vida biológica e também em nossa vida técnica, em nossa vida cotidiana”, disse Krausz em entrevista coletiva à imprensa. “Na nossa vida biológica, os elétrons formam o adesivo entre os átomos, com os quais eles formam moléculas, e essas moléculas são, então, as menores unidades constitutivas funcionais de todo organismo vivo.” 

E, se você quer entender como eles funcionam, você tem de saber como eles se movimentam, disse Krausz. 

No momento, essa ciência se volta para compreender nosso universo, mas a esperança é a de que ela acabe tendo muitas aplicações práticas em eletrônica, no diagnóstico de doenças e na química básica. 

Mas L’Huillier disse que o trabalho dela mostra como é importante trabalhar em ciência pura, independentemente das aplicações futuras, porque ela passou 30 anos trabalhando nisso antes de possíveis usos no mundo real se tornarem mais visíveis. 

L’Huillier estava dando aula de física básica para engenharia a cerca de 100 estudantes de graduação em Lund quando recebeu o telefonema pelo qual seria avisada de que tinha ganhado o prêmio, mas seu telefone estava no modo silencioso e ela não atendeu. Ao checar o aparelho durante um intervalo, telefonou ao Comitê do Nobel. 

Feito isso, voltou à aula. 

“Eu estava muito concentrada, tinha esquecido do prêmio Nobel e tentei terminar minha aula”, disse L’Huillier à AP. Ela encerrou a aula um pouco mais cedo, para poder falar na entrevista coletiva que anunciaria o prêmio na Real Academia Sueca de Ciências em Estocolmo. 

“Este é o prêmio mais prestigioso, e estou tão feliz de tê-lo conseguido! É inacreditável!”, disse ela. “Como vocês sabem, não são tantas as mulheres que receberam este prêmio, por isso ele é muito especial.” 

A organização do Nobel postou nas redes sociais uma foto de L’Huillier segurando um celular próximo à orelha. 

“Alerta a professora dedicada!”, dizia a postagem no X, ex-Twitter. “Nem sequer o #NobelPrize de Física 2023 conseguiu separar Anne L’Huillier de seus alunos.” 

L’Huillier disse ainda que, pelo fato de o prêmio ser um segredo na época, ela não pôde contar aos alunos o que tinha acontecido, mas, segundo ela, eles imaginaram. 

Agostini, professor emérito da Universidade Estadual de Ohio, estava em Paris e não pôde ser contatado pelo Comitê do Nobel antes de o órgão anunciar a vitória dele para o mundo. 

“Não recebi um telefonema do comitê. Talvez não seja verdade. Não sei”, disse ele à AP, rindo. “Acho que o comitê está me procurando em Columbus [capital de Ohio].” 

“Há, certamente, pessoas mais jovens que teriam gostado muito mais do que eu [de serem premiadas]”, brincou o cientista, de 82 anos. “É bom, mas é um pouco tarde para mim.” 

Mas, acrescentou, “Acho que não o teria merecido mais cedo!” 

Krausz, de 61 anos, do Instituto Max Planck de Ótica Quântica e da Universidade Ludwig Maximilian de Munique, disse à imprensa estar perplexo. “Venho tentando, desde as 11 horas…entender se estou vivendo a realidade ou se isto é apenas um sonho longo”, disse. 

O telefonema do Comitê do Nobel dizia “não há ID do autor da chamada”, e Krausz normalmente não atende essas chamadas, mas desta vez, segundo ele, “achei que deveria experimentar, e aí ficou claro de que não poderia desligar tão depressa desta vez”. 

No ano passado, Krausz e L’Huillier ganharam o prestigioso prêmio Wolf de física por seu trabalho, compartilhando-o com o cientista Pal Corkum, da Universidade de Ottawa. Os prêmios Nobel se restringem a apenas três ganhadores, e Krausz disse que é pena ele não poder incluir Corkum. 

Corkum foi fundamental para definir a maneira pela qual os lampejos de laser de frações de segundo puderam ser mensurados, o que foi essencial, disse Krausz. 

Os prêmios Nobel envolvem uma concessão, em dinheiro, de 11 milhões de coroas suecas (US$ 1 milhão), proveniente do legado do criador do prêmio, o inventor sueco Alfred Nobel. 

O prêmio de física está sendo entregue um dia após dois cientistas terem ganhado o prêmio Nobel de Medicina por descobertas que possibilitaram a criação das vacinas de RNA mensageiro contra a covid-19. 

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