A Tencent anunciou novas restrições ao tempo em que menores de idade podem ficar conectados aos jogos on-line da empresa, depois de ter sofrido intensa pressão da mídia estatal chinesa, que comparou os games a um “ópio espiritual”.
Em publicação nas redes sociais, o grupo chinês anunciou que adotaria as medidas, após as “autoridades relevantes” terem solicitado que os menores sejam mais protegidos pelo setor de jogos e que as empresas cumpram sua “responsabilidade social”.
As ações da Tencent, cujos jogos on-line geraram vendas de 39,1 bilhões de yuans (US$ 6 bilhões) no primeiro trimestre, 30% da receita total do grupo, chegaram a cair 10,8% em Hong Kong antes de fechar com desvalorização de 6,6%. A queda acumulada nos últimos 30 dias agora é de quase 25%.
O novo período de volatilidade chega depois de as ações tecnológicas da China terem apresentado em julho seu pior mês desde a crise financeira mundial, impactadas por uma ofensiva fiscalizadora sem precedentes sobre o setor, que incluiu entre seus alvos aplicativos de ensino, de transportes e de redes de relacionamento social.
As novas restrições anunciadas pela Tencent, que de início serão aplicadas a seu principal título, “Honor of Kings”, reduzirão ainda mais a duração que os menores podem ficar em cada jogo, de 1h30 para 1 hora, em dias normais, e de 3 horas para 2 horas, em feriados. A empresa proibirá menores de 12 anos de gastar dinheiro dentro dos jogos e aumentará a fiscalização para impedir menores de jogar com contas de adultos.
A Tencent também apresentou três propostas para todo mercado de jogos, incluindo o fortalecimento de sistemas para combater o vício em jogos, e defendeu que se estude uma proibição completa para menores de 12 anos.
O anúncio da gigante chinesa da internet veio depois de um artigo no jornal “Economic Information Daily”, administrado pela agência estatal de notícias Xinhua, acusando os jogos eletrônicos on-line de terem se tornado um “ópio espiritual no valor de centenas de bilhões”. Um especialista advertiu que “nenhum setor… pode desenvolver-se ao mesmo tempo que destrói uma geração”.
O artigo, publicado na manhã desta terça-feira na China, não menciona a Tencent pelo nome, mas reclamou do vício generalizado entre os jovens chineses. Citou estudantes, sem dar nomes, dizendo que alguns de seus colegas de classe chegavam a passar oito horas por dia jogando “Honor of Kings” e alertando contra esse “novo tipo de droga eletrônica”, que “avançava a grandes saltos”. À tarde, o jornal apagou o artigo de seu site.
Carregada de bagagem histórica, a comparação dos fabricantes de jogos eletrônicos chineses aos vendedores estrangeiros de ópio, cujo comércio contribuiu para o esfacelamento da China imperial, derrubou as ações da Tencent, apesar de os menores terem representado apenas 6% de sua receita com jogos no quarto trimestre de 2020.
A intenção do artigo pode ter sido “testar a temperatura” e o teor pode ter sido mais radical que a posição das próprias autoridades reguladoras, o que levou à remoção do ar, segundo uma fonte a par da situação.
Ainda assim, Li Chengdong, do centro de estudos especializado em tecnologia Haitun, disse que a Tencent precisou agir rápido, uma vez que o artigo poderia representar o ponto de vista de algumas autoridades. “O setor de internet está sob fogo cerrado e as empresas estão nervosas”, disse Li.
As ações de outras empresas de jogos, como NetEase e XD, fecharam a sessão com desvalorizações em torno a 8%. O mercado de videogames da China movimentou US$ 43,1 bilhões em 2020, de acordo com a firma de consultoria e análises Niko Partners.
A pressão sobre a Tencent chega logo após orientações publicadas na segunda-feira à noite pelo departamento de propaganda do Partido Comunista da China e outros órgãos reguladores direcionadas ao grupo rival de tecnologia ByteDance.
As autoridades reguladoras disseram que vão examinar e corrigir os algoritmos de recomendações on-line da empresa, para garantir que não disseminem o “conteúdo errado”. Os comentários sinalizaram que as autoridades poderiam alterar a programação básica que ajudou o aplicativo Douyin, a versão-irmã do TikTok na China, a tornar-se o grande nome do efervescente mercado de vídeos curtos.
Essas notícias também pesaram nas ações em Xangai e Shenzhen, que haviam se estabilizado nos últimos dias, após uma teleconferência na qual o órgão chinês regulador dos valores mobiliários tentou tranquilizar os grupos financeiros nacionais e estrangeiros quanto à incansável ofensiva fiscalizadora de Pequim sobre o setor.
Nas últimas semanas, Pequim defendeu um novo sistema para o registro de ações das empresas chinesas em bolsas no exterior, impôs revisões sobre a segurança dos dados de empresas com planos de lançar ações no exterior e tornou ilegal o lucro para empresas do mercado chinês de aulas particulares on-line, de US$ 100 bilhões. Isso “praticamente impede o investimento” nas ações das três maiores empresas do setor, segundo analistas do JPMorgan.
Analistas disseram que a pressão dos reguladores e da mídia estatal vista ontem sinaliza novos desafios para a Tencent, que controla a rede social WeChat, onipresente na China, e seu aplicativo de pagamentos. Até recentemente, o grupo chinês havia saído relativamente ileso da ofensiva fiscalizadora.