Na semana passada, 2 milhões de pessoas, de acordo com os organizadores, protestaram numa cidade chinesa contra a lei de extradição que chamam de “tirania”. Se o número estiver certo, significará que um em cada quatro moradores de Hong Kong foi às ruas numa mobilização contra a ingerência chinesa. Embora seja difícil predizer que rumo a situação tomará, a mobilização joga luz sobre algo que tendemos a esquecer: a fragilidade do sistema político da China.
O crescimento chinês é alguma coisa próxima de um milagre. É simplesmente o caso mais bem-sucedido de desenvolvimento econômico da história. O PIB do país cresceu 10% ao ano nos últimos 40 anos, o que tirou mais de 850 milhões de pessoas da pobreza. Isso representa a maior redução de pobreza do planeta. Desse modo, a China também comprovou ser a maior exceção entre os sistemas que adotam uma política quase férrea.
Décadas de pesquisas em ciências políticas mostraram que existe uma forte conexão entre crescimento econômico e democracia. À medida que os países modernizam suas economias, eles são tipicamente forçados a mudar suas sociedades e, eventualmente, seus sistemas políticos para torná-los mais abertos, visíveis e democráticos.
Há discrepâncias, como os países ricos em petróleo, que enriquecem sem precisar se modernizar. Entretanto, estudos recentes liderados por David Epstein, da Universidade Columbia, reafirmaram essa ligação básica: quando um país enriquece, as chances de se tornar mais democrático aumentam.
Não é o caso da China. Até recentemente, a principal exceção à “teoria da modernização” era Cingapura, uma pequena cidade-Estado considerada um polo de desenvolvimento, com líderes extremamente capazes. Também a China continua se enriquecendo e, ao mesmo tempo, permanece não democrática. Ao contrário, nos últimos anos o sistema político ficou mais repressivo, a censura aumentou e o presidente do país dispensou o limite de mandatos para si mesmo.
O que explica a trajetória quase única da China rumo ao enriquecimento sem democracia? Yuen Yuen Ang, da Universidade de Michigan, argumenta que, nas últimas décadas, a China desenvolveu uma “autocracia com características democráticas”. Ela assinala que houve reformas que deixaram a vasta burocracia administrativa do país – antes um mamute comunista paralisado – mais ágil, transparente e acessível. Para Ang, essas mudanças devem ser consideradas um tipo de reforma política.
Ang e outros apontam ainda para o sistema político altamente meritório da China, no qual os funcionários são submetidos a rigorosos exames, avaliações e medidas objetivas que resultam em avanços como o crescimento econômico. Para seus defensores, esse sistema extremamente competitivo garante qualidade e responsabilidade. Acadêmicos como Daniel Bell, da Universidade Shandong, argumentam que tal modelo político se apoia em confiança na classe mandarim governante, que é fundamental nas sociedades confucianas.
De qualquer modo, é o caso de se pensar. Boa burocracia não é o mesmo que democracia, que é centralizada na faculdade de se escolher os líderes e afastá-los do poder. Quanto às sociedades confucianas, não se pode esquecer de Hong Kong e de Taiwan. As duas são sociedades absolutamente chinesas, mas com forte afinidade política com a democracia, como ficou evidente nas últimas semanas.
Os EUA estão hoje brigando com a China em várias frentes. Em disputas geopolíticas, os americanos cometem com frequência o erro de achar que o adversário tem 3 metros de altura – lembrem-se da União Soviética. Primeiro, não está claro se a China é um adversário no sentido da Guerra Fria. Uma descrição mais apropriada seria concorrente. Mas o mais importante é que a China, ao lado de sua grande força, também tem suas fraquezas.
Vejamos a situação do presidente Xi Jinping. O crescimento da China vem diminuindo. O país encara um futuro com menos trabalhadores, consequência da política de um só filho – um clássico exemplo dos perigos de uma ditadura e um erro decorrente da centralização e implementado com impiedosa eficiência.
Mas talvez, acima de tudo, a China tenha um sistema político que enfrenta pressão real. Em uma era de populismo e antielitismo, ela continua governada por uma elite distante da população.
O Partido Comunista se mantém no poder com a promessa de crescimento e o uso da força. Utiliza também um elaborado sistema de censura e uma espionagem cada vez mais sofisticada contra seu próprio povo.
O governo convive com uma massa que não é genética ou culturalmente muito diferente da população de Taiwan ou Hong Kong – onde milhões estão deixando claro que não querem apenas um bom governo ou burocratas competentes, mas democracia. A guerra comercial com os EUA pode acabar sendo um dos menores problemas de Xi.