Quando as primeiras imagens de destroços dentro da catedral de Notre-Dame apareceram, na terça-feira (16), engenheiros pelo mundo afora disseram que uma observação já estava clara: para restaurar a estrutura a seu passado glorioso, será preciso recorrer a uma tecnologia de vanguarda.
Antes mesmo de os engenheiros terem acesso aos cantos mais ocultos da catedral, especialistas em design, preservacionistas históricos e engenheiros começavam a debater quais tecnologias podem ser usadas para restaurar uma das estruturas mais icônicas da Europa e um patrimônio mundial da Unesco.
O esforço de reconstrução provavelmente vai aproveitar conhecimentos adquiridos em catástrofes como o desastre nuclear deFukushima, no Japão, e o incêndio no Museu Nacional brasileiro, onde robôs experimentais e ferramentas digitais foram empregados para ir a lugares onde os humanos não podem se aventurar em segurança.
“Como casar tecnologias novíssimas do século 21 com artesanato antigo e técnicas de construção do passado de modo a manter a catedral preservada e viva?”, indagou Katherine Malon France, diretora interina de preservação da Fundação Nacional de Preservação Histórica, de Washington.
“Será uma intersecção muito interessante de tecnologia e trabalho artesanal.”
Algumas dessas tecnologias já foram vistas. Quando as chamas devoraram o teto da catedral e centenas de bombeiros montaram seu contra-ataque, máquinas high-tech já tinham sido trazidas para participar do esforço.
Dois drones de fabricação chinesa equipados com câmeras de alta definição —o Mavic Pro e o Matrice M210, fabricados pela DJ1— sobrevoaram a catedral e ajudaram os bombeiros a posicionar suas mangueiras para conter as chamas antes de elas destruírem os dois campanários.
“Foi graças a esses drones que pudemos fazer as escolhas táticas para conter o incêndio”, disse o porta-voz do corpo de bombeiros de Paris, Gabriel Plus.
No chão, um robô extintor de incêndios, o Colossus, jorrou água sobre a nave, reduzindo a temperatura do recinto repleto de vidro.
Uma maneira de começar será usar outros drones para examinar pontos dentro da catedral perigosos ou danificados demais para serem alcançados pelos engenheiros.
Jerry Hajjar, professor de engenharia civil na Universidade Northeastern, disse que drones podem ser equipados com sensores —como pequenas câmeras ou scanners a laser— que permitam documentar os danos e criar imagens tridimensionais altamente precisas de pontos específicos dentro da catedral.
Outros sensores podem “olhar” dentro das paredes da catedral e estimar as propriedades mineralógicas da estrutura e o grau de estresse ao qual está submetida.
Outro método para testar a integridade da catedral pode envolver robôs, disse Hajjar, explicando que já há pesquisas para o uso de robôs escaladores para inspecionar e reparar pontes de aço.
“O valor do uso de robôs ficou muito evidente após Fukushima. Não queriam mandar pessoas dentro do reator, devido ao perigo. Perceberam que poderiam usar robôs rastejantes para obter imagens que seriam muito úteis.”
É possível que boa parte do trabalho de mapeamento em 3D de que os engenheiros precisarão já exista.
Em 2015, Andrew Tallon, professor de arte do Vassar College, nos EUA, morto no ano passado, disse à National Geographic que fizera um mapeamento a laser completo da catedral.
Em um artigo de 2014 publicado no site The Verge, Caroline Miousse, artista que trabalhou com o videogame Assassin’s Creed, disse que passou dois anos criando um modelo da catedral que captou seu interior e a parte externa.
Uma vez que os engenheiros tenham uma visão mais clara da integridade estrutural da igreja, poderão projetar um teto apropriado.
Terão de decidir se reconstroem as vigas do teto com madeira. Se não optarem por criar uma nova estrutura de madeira, que reduziria o peso do teto e garantiria liberdade artística, os engenheiros podem trabalhar com aço.
O aço diferiria do teto original, mas permitiria o uso de menos material e a criação de um teto mais leve, disse Gary Howes, do The Durable Group, consórcio de firmas de restauração histórica.
“Esse projeto será direcionado mais pela emoção que pela estrutura”, disse. “Todo o mundo quer que a catedral tenha a mesma aparência que sempre teve, do jeito que as pessoas se lembram dela.”
James Shepherd, diretor de preservação histórica e instalações da Catedral Nacional de Washington, onde os danos provocados por um terremoto em 2011 ainda não foram reparados, disse que os dias imediatamente seguintes a um acontecimento como o incêndio serão críticos.
“Eles vão precisar de profissionais especializados para vasculhar os escombros e retirar o que pode ser salvo ou não”, disse Shepherd. “Estamos falando em objetos de 700 ou 800 anos e que podem estar parcialmente queimados ou danificados pela água.”
No Brasil, onde no ano passado um incêndio destruiu 90% do acervo do Museu Nacional no Rio de Janeiro, dados em 3D estão sendo usados para recriar objetos preciosos perdidos no fogo. A mesma técnica pode ser empregada em Paris.