Proibição ao TikTok em Montana evidencia diferenças geracionais nos EUA

“O Facebook também vende nossos dados, não sei porque estão tão preocupados com o TikTok”, escreveu um adolescente. “Hora de me mudar de Montana”, respondeu outro. “Parece que um certo governador não vai ser reeleito”, disse um terceiro.

Os comentários foram publicados em um dos últimos vídeos do tiktoker Christian W. Poole, 20, indignado com a nova lei do estado americano de Montana que proibirá o aplicativo a partir do ano que vem.

Aos seus quase 420 mil seguidores, brincou: “Por que estão tão preocupados com o Partido Comunista Chinês pegando informações dos cidadãos de Montana? Ninguém tão importante assim vive aqui”, disse. “Este estado está cheio de idiotas. Quem se importa se o PC Chinês sabe que gostamos de armas?”

Poole, seus seguidores e uma série de criadores de conteúdo na plataforma de vídeos curtos passaram os últimos dias se manifestando contra a lei assinada nesta semana pelo governador republicano Greg Gianforte que bane a plataforma em todo o remoto estado do oeste do país, na fronteira com o Canadá, sob multa de US$ 10 mil ao dia (R$ 50 mil, na conversão atual) para as lojas de aplicativos que a disponibilizarem.

Mas não são apenas os pouco mais de 1 milhão de habitantes de Montana que estão com o acesso ameaçado à rede chinesa, uma vez que a pressão sobre o aplicativo avança a passos largos.

Com 150 milhões de usuários ativos só nos EUA, quase um a cada dois habitantes, é difícil pegar uma fila ou um transporte público no país hoje sem ver americanos rolando a tela do celular com as dancinhas do momento.

Aliás, há muito tempo o app não se resume às coreografias meio desajeitadas que fizeram sua fama. Hoje a plataforma é tão diversa quanto qualquer outro canto da internet, com as dancinhas, sim, mas também receitas, esportes, discussões e todo tipo de conteúdo que caiba em um vídeo de no máximo dez minutos.

Estaria tudo certo se a empresa não pertencesse à companhia chinesa ByteDance e os Estados Unidos não estivessem em sua maior disputa geopolítica desde o fim da Guerra Fria justamente contra a China.

Segundo FBI, CIA, membros do governo americano e parlamentares, o TikTok representa uma ameaça à segurança nacional do país porque a empresa poderia compartilhar dados de milhões de usuários americanos com o regime de Xi Jinping.

Foi esse o argumento usado pelo governador de Montana, que justificou a medida para “proteger dados pessoas e privados do Partido Comunista Chinês” —não há relação direta com a proibição do aplicativo, mas Montana abriga um arsenal com 150 mísseis nucleares desde a Guerra Fria.

A porta-voz do TikTok Brooke Oberwetter disse à Folha que proibir o app desrespeita a Primeira Emenda da Constituição, que garante a liberdade de expressão, e rebateu as alegações do governador de ligação com o regime. O partido “não tem controle direto nem indireto da ByteDance ou do TikTok. A ByteDance é uma empresa global privada, com quase 60% do comando por investidores institucionais globais, 20% dos fundadores da empresa e 20% dos funcionários —incluindo milhares de americanos”, afirmou.

A maioria dos americanos, porém, é favorável a medidas como a adotada em Montana, mostram diferentes pesquisas. Segundo números do Pew Research Center, coletados no final de março, 50% dos americanos concordam com uma medida para banir a plataforma no país, 22% discordam e 28% não sabem.

Há um recorte mais claro quanto à idade. Entre os americanos com mais de 65 anos, 71% são favoráveis à proibição. Considerando os que têm entre 18 e 29 anos, maior parte da base de usuários do TikTok, o apoio à medida cai para 29%.

O governo Joe Biden tem mantido uma pressão que já vinha desde 2020, quando seu antecessor, Donald Trump já falava em banir o aplicativo de todo o país. Neste ano, a Casa Branca voltou a afirmar que a ByteDance deveria vender o TikTok se não quisesse ver a rede proibida nos EUA.

No fim de dezembro do ano passado, Biden assinou lei proibindo o uso do app em qualquer aparelho do governo federal. Medidas similares foram adotadas por governos de mais da metade dos estados americanos. Além disso, universidades em todo o país proibiram o acesso ao app usando a internet do campus ou computadores das instituições.

A temperatura também é alta no Legislativo. Em março, avançou na Comissão de Relações Exteriores da Câmara um projeto que facilitaria um caminho legal para Biden proibir o TikTok. Outros projetos, tanto de democratas quanto de republicanos, também miram a rede. Em março deste ano, o diretor-executivo do TikTok, Shou Zi Chew, passou cinco horas depondo em um comitê da Câmara em uma tentativa de afastar alegações de que a empresa colaborava com o regime comunista chinês.

Para Anthony Fargo, diretor do Centro de Estudos em Direito e Política de Mídia Internacional da Universidade de Indiana, banir o TikTok é um ato de censura ao infringir a Primeira Emenda, que garante a liberdade de expressão. Segundo ele, não se pode argumentar que é uma ameaça à segurança nacional sem que haja provas de espionagem do regime chinês, “baseado apenas em especulação”.

A opinião é compartilhada por entidades de defesa da liberdade de imprensa e de direitos civis no país, como a ACLU (União Americana pelas Liberdades Civis).

“O governador e o Parlamento de Montana atropelaram a liberdade de expressão de centenas de milhares de moradores do estado que usam o aplicativo para se expressar, se informar e administrar seus pequenos negócios, tudo em nome de um sentimento anti-China”, disse Keegan Medrano, diretor de políticas da ACLU de Montana.

O Departamento de Justiça dos EUA investiga o TikTok por monitorar jornalistas, segundo a imprensa americana, e a própria ByteDance admitiu que funcionários coletaram informações de dois repórteres —outras empresas de tecnologia como a Uber já foram acusadas de fazerem o mesmo no passado.

A preocupação com o TikTok também vai além da questão da segurança nacional e chega a uma outra discussão aquecida no país, o acesso de menores de idade a redes sociais, uma vez que os mais jovens compõem a maior parte da base de usuários do aplicativo chinês —serviços de monitoramento de mercado digital nos EUA apontam que 32,5% dos usuários têm entre 10 e 19 anos.

Projetos de lei no Congresso estabelecem que menores de 13 anos não podem ter acesso a redes sociais e adolescentes com até 18 anos precisam de autorização dos pais para criar uma conta nessas plataformas. Os estados de Utah e Arkansas aprovaram leis neste ano que exigem consentimento dos pais para adolescentes em redes sociais.

Para Fargo, a preocupação faz sentido em meio à crise de saúde mental nos Estados Unidos, que afeta sobretudo meninas adolescentes —57% delas relataram sintomas persistentes de solidão e tristeza em pesquisa recente do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). “Mas é preciso trabalhar com educação para o uso da internet, e não em proibições que esbarram em direitos constitucionais”.

É preciso também combinar com os internautas. “Em Montana o TikTok será ilegal, mas ainda será permitido se casar com menores de idade. E você ainda acredita que é para proteger as crianças”, diz um meme que viralizou na rede nesta semana.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/05/proibicao-ao-tiktok-em-montana-evidencia-diferencas-geracionais-nos-eua.shtml

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