Produtor rural da União Europeia defende criação de “escudo alimentar” contra guerra

Os produtores da UE pediram autorização da Comissão Europeia para cultivarem todas as terras que têm disponíveis em 2022. O objetivo é criar um “escudo alimentar’’ contra o choque provocado pela guerra na Ucrânia e, assim, evitar turbulências nas cadeias de abastecimento dos 27 países do bloco. Paralelamente, cresce a pressão para que as autoridade

A poderosa central agrícola Copa-Cogeca informou que, como resposta imediata para ampliar a produção de commodities normalmente importadas de Rússia, Ucrânia e Belarus, o que a Europa pode fazer é utilizar 2 milhões de hectares de terras deixadas para descanso e regeneração. Elas representam 25,9% dos 8 milhões de hectares que formam as chamadas Superfícies de Interesse Ecológico (EFAs, na sigla em inglês). Decisões tomadas agora vão se refletir na produção do ano que vem. 

A Ucrânia e a Rússia são exportadores de peso em mercados como trigo, milho, girassol, e a guerra bloqueia as exportações a partir do Mar Negro. São mais de 10 milhões de toneladas de cereais que não podem mais alimentar os mercados mundiais, calcula o “think tank” Farm Europe. Os efeitos já se fazem sentir, já que os preços dispararam desde o início da escadas das tensões. 

Os consumidores na Europa deverão pagar mais pelos alimentos, e novas pressões inflacionárias virão. Os produtores de carne da União Europeia são particularmente prejudicados pela rápida alta de custos para alimentar os animais – em algumas regiões do Oriente Médio e da Africa, essa inflação dos cereais vai afetar milhões de pessoas. “Essa guerra terá repercussões mundiais durante anos”, diz a Copa-Cogeca. 

 “Como o governo russo utiliza a segurança alimentar como arma, devemos nos opor a ele com um escudo alimentar’’, diz Christiane Lambert, presidente da entidade. “Como no setor de energia, na agricultura acreditamos que é possível reforçar nossa autonomia estratégica e, ao mesmo tempo, continuar a progredir em matéria de sustentabilidade”, afirma ela. 

Para o think tank Farm Europe, a guerra faz sofrer, e é também um sinal de alarme para a UE. O grupo considera que agora está perfeitamente claro para os europeus que é preciso melhorar a soberania energética e reduzir a dependência de importações provenientes da Rússia, além de garantir sua soberania alimentar. 

A sugestão é para que a Comissão Europeia, braço executivo da UE, mude o paradigma. Com suas estratégias de biodiversidade e “da Fazenda ao Prato” – para fazer de seu sistema alimentar um modelo de sustentabilidade em todos os estágios da cadeia de valor dos alimentos -, a Europa terá que reduzir as emissões de gases de efeito estufa. E, para isso, terá de cortar 50 % do uso de pesticidas químicos, reduzir em 20 % (no mínimo) a aplicação de adubos, aumentar em 25% a área de produção orgânica e plantar mais florestas. 

Como resultado, a previsão é que haverá uma queda na produção agrícola europeia estimada entre 10% a 15% pelo menos em segmentos-chave como cereais, oleaginosas, carne bovina e pecuária leiteira; mais de 15% no caso de suínos e frango; e mais de 5% em legumes, segundo diferentes estudos, conforme o think tank. 

Forte contração 

João Pacheco, ex-vice-diretor da Direção Geral de Agricultura da União Europeia e ex-embaixador do bloco europeu no Brasil, diz que não há dúvida sobre uma forte contração auto-infligida da agricultura na UE. “E isso com efeito climático muito pequeno. Porque, se a UE produz menos, alguém vai produzir mais para compensar, com impacto dramático sobre nossa produção alimentar e aumento da inflação”. 

Para Pacheco, sobretudo na situação geopolítica atual, essa politica de redução da produção não é aceitável. “Há políticas alternativas que protegem o ambiente e lutam contra a mudança climática, com tecnologias para um crescimento da produtividade de forma sustentável – que, aliás, os americanos propõem. Nada disso é um sonho, é uma realidade. O que falamos é que a Comissão aproveite esse momento em que sua politica é tão contraditória para rever sua politica’’.

A reação inicial da Comissão Europeia veio ontem, de parte do vice-presidente Franz Timmermans. No Comitê de Meio Ambiente do Parlamento Europeu, ele insistiu que a estratégia “da Fazenda ao Prato” é parte da resposta à redução da dependência em relação à Rússia, e não o contrário. 

Tanto na Europa como em outras partes do mundo, de toda maneira o que ocorrerá na esteira do choque da guerra na Ucrânia é mais ajuda dos governos aos agricultores. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Economico (OCDE) calcula que seus 38 países membros já prometeram US$ 75 bilhões de ajuda ao setor no auge da crise da covid-19; nas economias emergentes, o valor atingiu US$ 82 bilhões. 

https://valor.globo.com/agronegocios/noticia/2022/03/09/produtor-rural-da-uniao-europeia-defende-criacao-de-escudo-alimentar-contra-guerra.ghtml

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