Por que Powell deveria ser ousado em Jackson Hole

Os presidentes do Federal Reserve (Fed, o BC dos Estados Unidos) normalmente contatam a conversa anual dos altos executivos do BC em Jackson Hole, Wyoming, de uma dessas duas maneiras. Ou participam sem ser detectados pelos mercados ou fazem algum anúncio de política monetária vistoso. 

Não me surpreenderia se Jerome Powell, em seu discurso principal nesta semana, optar pela primeira alternativa no evento virtual deste ano. Alguns poderiam encarar esse gesto como a alternativa mais avessa ao risco. Ela poderia ser deplorável. O bem-estar da economia, o Fed e os mercados financeiros conclamam Powell a adotar a última alternativa. Trata-se também da opção menos arriscada. 

Vacilações dos diretores do Fed sobre como administrar seus pronunciamentos em Jackson Hole são naturais. Optar por um enfoque mais comedido combina com a intenção declarada do simpósio de “reunir economistas, participantes do mercado financeiro, acadêmicos, representantes do governo dos Estados Unidos e a mídia noticiosa para discutir questões de política monetária de longo prazo de interesse mútuo”. Mas, com todos participando e a cobertura de mídia que isso envolve, também pode ser adequado pôr mais tempero nas coisas, com a sinalização de uma mudança de política iminente. 

Ben Bernanke fez isso, memoravelmente, em 2010, ao dar um prenúncio do uso expandido de políticas pouco convencionais voltadas para buscar objetivos econômicos amplos, em vez de apenas acalmar mercados financeiros voláteis e disfuncionais. 

Powell sinalizou reiteradamente sua preferência por uma evolução lenta e finamente dosada das políticas monetárias. Esse enfoque é coerente com uma perspectiva econômica ainda incerta e com um déficit de ofertas de emprego. Ele parece minimizar o risco de grande turbulência do mercado, principalmente após as experiências de 2013 e de 2018. 

Também há muito a ser dito sobre a perspectiva de mais longo prazo do assunto deste ano: “Política Macroeconômica em uma Economia Desigual”. Desigualdades de renda, de riqueza e de oportunidades continuam a se agravar; as ameaças impostas pela mudança climática se multiplicam e o desempenho do crescimento no mundo como um todo apresenta maior dispersão. Trata-se de um momento oportuno para os altos executivos do BC dizerem mais sobre o papel que podem, e deveriam, desempenhar em garantir um crescimento econômico mais inclusivo e mais sustentável. 

Apesar da importância desses temas, um relevante contingente de pessoas espera para ouvir o que apenas Powell pode dizer – quando e como o Fed vai se afastará das medidas de emergência relacionadas à covid adotadas no começo da pandemia. Dados econômicos recentes acentuam a necessidade de se ter clareza sobre isso. 

Nos dois campos de objetivos definidos pelas missões do Fed, o nível de emprego e a inflação, o BC americano se aproximou muito mais de cumprir um deles, mas de ultrapassar o outro. A preocupante ameaça representada por seu terceiro, e mais informal, objetivo, de estabilidade do mercado está aumentando, já que os ativos de risco continuaram a se descolar dos fundamentos econômicos, ao alcançar novos recordes e ao alimentar temores em torno de uma futura volatilidade desestabilizadora do mercado. 

O recente relatório de nível de emprego sugere que a melhoria do mercado de trabalho está se acelerando. A taxa mensal de desemprego caiu 0,5 ponto percentual, para 5,4% em julho; a relação nível de emprego-população e de participação na População Economicamente Ativa subiu; quase 1,9 milhão de novas vagas foram criadas em junho e em julho. As ofertas de emprego subiram para o recorde de 10 milhões. Não admira que o respeitado economista de Harvard Jason Furman tenha afirmado pelo Twitter: “Ainda não encontrei uma mácula no relatório de empregos. Até agora nunca tinha visto um conjunto tão maravilhoso de dados econômicos”. 

No entanto, as preocupações com a inflação ainda não se dissiparam. Embora os indicadores do índice de preços ao consumidor não tenham aumentado em julho, continuam elevados, a 5,4% para o índice nominal, e a 4,3% para o núcleo de inflação, que exclui alimentos e energia. Mas o Índice dos Preços ao Produtor subiu mais do que o previsto, e para níveis alarmantes de 7,8% e de 6,1%, por cento, respectivamente. 

Não surpreende que muitas empresas tenham usado suas divulgações de lucros, no começo deste mês, para sinalizar aumento futuro dos custos e dos preços. E boa parte disso ocorreu antes da nova rodada de episódios de desabastecimento causados pela escalada das infecções e internações decorrente da variante delta, o que solapou as cadeias de suprimentos transfronteiras. Os dados de nível de emprego e de inflação levaram vários membros mais da Comissão Federal do Mercado Aberto a se manifestarem abertamente a favor de uma redução antecipada dos US$ 120 bilhões em compras mensais de ativos pelo Fed. Já Powell ainda não abandonou sua preferência, frequentemente repetida, pela manutenção por mais tempo dessas injeções maciças de liquidez. Naturalmente, investidores e operadores preferem se tranquilizar com a firme posição mais acomodatícia das únicas vozes que interessam a eles – as de Powell e de seus dois graduados colegas mais próximos, Richard Clarid e John Williams. 

Quanto mais tempo Powell esperar para detalhar sua própria posição, maiores serão os desafios para manter a unidade do Fed, e maior o risco de que o banco central seja obrigado a pisar mais desordenada e violentamente no freio da política monetária no futuro. 

Seu discurso ansiosamente aguardado em Jackson Hole, no dia 27, é portanto uma oportunidade valiosa para ele resgatar a narrativa da política monetária. Na verdade, não proceder dessa maneira envolve maiores riscos do que a opção aparentemente mais fácil de evitá-la – para a economia, para a estabilidade financeira e para a reputação do banco central mais poderoso do mundo. 

https://valor.globo.com/financas/noticia/2021/08/24/por-que-powell-deveria-ser-ousado-em-jackson-hole.ghtml

Comentários estão desabilitados para essa publicação