O governo chinês deu início ao que poderá vir a ser sua tarefa mais formidável até hoje: separar os adolescentes de seus smartphones. A agência reguladora da internet na China propôs regras que pretendem ajudar pais e mães a limitar o tempo que os filhos passam online exigindo que fabricantes de smartphone, aplicativos e lojas de aplicativos passem a oferecer um “modo para menores” que restrinja seu uso.
De acordo com o rascunho das regulações, publicado pela Administração de Ciberespaço da China (ACC), o recurso pretende limitar o uso de internet de adolescentes de 16 e 17 anos a um máximo de 2 horas por dia. Para idades entre 8 e 15 anos, a conexão à rede se limitaria a 1 hora por dia, e crianças com menos de 8 anos poderão ficar online 40 minutos por dia.
O modo para menores também pretende impedi-los de usar qualquer aplicativo entre 22h e 6h, afirmam as regulações. Aplicativos online destinados a educação ou serviços de emergência ficariam isentos das restrições, e os pais também poderiam solicitar vários tipos de exceção.
O rascunho das regulações, que são sujeitas a comentário público e revisão, é a mais recente de uma série de tentativas de agências reguladoras da China de influenciar as maneiras que as crianças estão sendo criadas no país, da quantidade de lição de casa que elas recebem até quanto tempo elas passam online jogando videogames.
As novas regulações foram reveladas em meio a esforços do governo da China para influenciar o comportamento de jovens cada vez mais avessos a se casar e formar famílias no país ou tomar parte de seu sufocante e ultracompetitivo mercado de trabalho — dois desafios a serem enfrentados para lidar com a crise demográfica chinesa e uma economia de crescimento mais lento.
Poucos se impressionaram com a medida mais recente, que segundo a ACC pretende “orientar os menores a formar bons hábitos” em relação ao uso de internet.
“Eu sou uma menina de 14 anos e apoio esta política. Eu estava ocupada demais com meu telefone, mas agora posso deixá-lo de lado e me dedicar a trazer bebês ao mundo para atender à política de três filhos”, diz um sarcástico comentário postado abaixo de uma reportagem a respeito das regras propostas, referindo-se ao relaxamento por parte do governo da limitação ao tamanho das famílias chinesas.
“Serão os pais que ativam e configuram esses telefones que terão de alternar constantemente entre os modos”, escreveu outra pessoa, no microblog Weibo. “No fim, será mais uma dor de cabeça para os pais.” Outra pessoa afirmou: “Tente você usar a internet apenas duas horas por dia”.
As novas regras também requererão um controle maior sobre conteúdo para menores. Além de barrar pornografia ou qualquer recurso que estimule os jovens a revelar informações pessoais, a agência reguladora pretende banir “fan cultures” em torno de celebridades, outro hábito online na mira das agências reguladoras chinesas nos anos recentes.
Crianças não devem ser capazes de consumir conteúdos ou participar de grupos que permitam votações, comentários ou crowdfundings para celebridades, afirmam as diretrizes.
A ACC também afirmou que o conteúdo deve “difundir os valores essenciais do socialismo” e a “excelência da cultura tradicional chinesa”, assim como cultivar o “amor à família e ao país” entre os jovens.
“Antes só o tempo de jogo online era restringido. Desta vez, é o uso do smartphone. A restrição é mais ampla e rígida”, afirmou o psiquiatra Shen Jiahong, de Guangzhou, que estuda vício em internet. Shen considera que as novas restrições sobre conteúdo protegerão melhor os jovens.
Medidas de governos anteriores para limitar tempo de tela têm tido sucesso limitado. Agências reguladoras têm restringido a quantidade de tempo que menores podem jogar online desde 2019. Em 2021, regras ainda mais rígidas limitaram a uma hora por dia o tempo máximo que crianças podem jogar online às sextas-feiras, em fins de semana e em feriados nacionais.
Hoje é comum crianças contornarem os limites usando contas sem restrições, e há inúmeros relatos de pais e mães simplesmente emprestando para os filhos seus próprios logins. Em uma pesquisa que ouviu 1,9 mil pais e mães publicada pelo jornal China Youth Daily no ano passado, mais de 70% dos entrevistados afirmaram que as medidas para limitar o tempo de jogo online tinham efeito “limitado”.
Similarmente, em 2021, as autoridades chinesas baniram aulas particulares de reforço e ordenaram restrições sobre a quantidade de lição de casa para abrandar a pressão sobre as crianças, antes notoriamente sujeitas a montanhas de lição e longas horas de aulas particulares.
Combater o que as autoridades qualificam como um problema de vício em internet da juventude também será difícil.
“É impossível mudar a obsessão de uma criança com a internet simplesmente proibindo-a de jogar online ou de consumir certos tipos de conteúdo”, afirmou Shen. “Nós não podemos ter expectativas altas demais em relação a esta restrição, sozinha, resolver o problema de vício em internet das crianças. Há razões psicológicas por trás deste fenômeno”, afirmou ele.
Responsabilidade também recairá sobre gigantes chinesas da tecnologia como Tencent e ByteDance, que serão as empresas mais afetadas pelas novas regras sobre uso de internet para menores. A Tencent é dona do WeChat, e a ByteDance opera a versão doméstica do TikTok, a plataforma Douyin.
O valor das ações das empresas de tecnologia chinesas — como o microblog Weibo, as plataformas de vídeos Bilibili e Kuaishou e a Tencent — caíram na quarta-feira após a revelação das novas regulações. Mas a maioria se recuperou na bolsa de Hong Kong na quinta-feira.
Jovens usuários de internet se manifestaram contra as medidas propostas. “Eu gastei meu próprio dinheiro para comprar um telefone e agora vocês querem tirar meu direito de surfar na internet? Vocês têm noção de como os celulares são importantes para nós?”, escreveu um jovem chinês no Weibo.
Outros fizeram piada insinuando que as novas medidas não surtirão o efeito pretendido pelas autoridades chinesas: “Boa política”, escreveu um usuário. “Tentem adivinhar quantos menores haverá no futuro” — uma referência à queda na taxa de natalidade.