A economia está recebendo um impulso da Bidenomics e de um crescente déficit fiscal federal, alimentando simultaneamente as esperanças de que os EUA evitem uma recessão e também os temores de o país vir a ficar preso a dívidas e inflação altas demais.
Três leis propostas e aprovadas pelo governo de Joe Biden – aumento dos gastos com infraestrutura, dos investimentos na economia verde e da produção de semicondutores – ajudaram a estimular a demanda no segundo trimestre e deverá ter um impacto maior daqui para frente.
O crescimento econômico também foi alavancado pelo inesperado aumento do déficit fiscal federal, motivado em parte por grandes pagamentos da Seguridade Social e um atraso no pagamento do imposto de renda de empresas e moradores da Califórnia.
Uma questão-chave é se o apoio de mais de US$ 1 trilhão da Bidenomics, que o presidente quer tornar o pilar de sua campanha à reeleição, é oportuno. O debate é se está preparando o caminho para um pouso suave da economia, ou preparando o terreno para uma nova alta da inflação.
O relatório de emprego de julho trouxe argumentos aos dois lados. O ritmo de geração de empregos desacelerou, mas permaneceu robusto no mês passado, reforçando as esperanças de que os EUA conseguirão evitar uma recessão. Mas os ganhos salariais permaneceram elevados, alimentando os temores inflacionários.
Mark Zandi, economista-chefe da Moody’s Analytics está entre os que veem a Bidenomics como uma vantagem, pois ajudará a compensar o impacto econômico defasado do agressivo aperto de crédito pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e permitirá aos EUA evitar uma recessão.
“O momento é muito propício”, diz Zandi, que calcula que a Bidenomics representará cerca de 0,4 ponto porcentual da magra taxa de crescimento econômico de 1% que ele prevê para este ano.
Outros economistas temem que os estímulos de Biden estejam contrariando os esforços do Fed para desacelerar o crescimento e reduzir a inflação para sua meta de 2% – potencialmente preparando o terreno para ainda mais aumento das taxas de juros no ano que vem.
“Há um risco crescente de que um crescimento forte agora alimente a inflação depois”, diz Neil Dutta, chefe de economia da Renaissance Macro Research. Segundo ele, a economia resiliente e um mercado de trabalho estável têm ignorado o aperto do Fed.
Não surpreende o fato de o governo Biden ver suas políticas como positivas. “As políticas econômicas do presidente, a Bidenomics, estão trabalhando para o povo americano”, disse na sexta-feira a secretária interina do Trabalho Julie Su à Bloomberg Television.
Mas os ganhos econômicos não estão se traduzindo em um maior apoio ao presidente. Menos de 40% dos eleitores registrados deram a Biden uma nota favorável em uma pesquisa realizada em julho pelo The New York Times-Siena College.
O Fed, por sua vez, minimiza o impacto da política fiscal. Seu presidente, Jerome Powell, disse em 28 de junho que isso não foi um “fator importante” da inflação.
Mas os benefícios da Bidenomics são cada vez mais aparentes às empresas, com expectativas de mais ajuda pela frente. “Em áreas como fios e cabos para telecomunicações e transmissão de alta voltagem, já vemos uma demanda muito forte”, disse Jim Fitterling, presidente- executivo da Dow Inc. a analistas em 25 de julho. “E eu não acho que haverá um recuo nisso.”
Os gastos com a construção de fábricas quase dobraram no último ano, graças aos subsídios e outros apoios do governo a setores como o de energias limpas e semicondutores. Gigantes como Ford e Intel, junto com muitas empresas menores, estão recorrendo aos programas do governo para construir novas fábricas.
“As companhias têm buscado os créditos fiscais do governo”, diz Anirban Basu, economista-chefe do grupo comercial Associated Builders and Contractors. “Isso está realmente atraindo os investimentos privados.”
O Goldman Sachs calcula que o governo desembolsará US$ 1,2 trilhão nos próximos dez anos em créditos fiscais e outros subsídios para combater o aquecimento global sob a Lei da Redução da Inflação (IRA). Isso se compara a um custo inicial de US$ 391 bilhões estimado pelo Escritóio de Orçamento do Congresso quando a lei foi aprovada em agosto de 2022.
Em parte em resposta ao boom de construção de fábricas, o Morgan Stanley recentemente elevou sua previsão de crescimento do PIB deste ano em 0,7 ponto porcentual, para 1,3%, e reafirmou sua previsão de um pouso suave para a economia. Por trás dessa melhora na previsão está o aumento dos investimentos em infraestrutura.
A lei bipartidária de infraestrutura aprovada em novembro de 2021 “está gerando um boom de projetos de grande escala”, segundo Morgan Stanley.
Mas parte desse dinheiro está sendo consumido por um forte aumento dos custos da construção. O governo do Oregon, por exemplo, disse em fevereiro que os financiamentos extras que está recebendo de Washington para reparos de pavimentação “serão corroídos principalmente pelas tendências inflacionárias recentes”.
A escassez de trabalhadores na construção está mantendo os custos e a inflação em alta e levando a atrasos em projetos, segundo Basu, da associação de construtoras e empreiteiras. O salário médio por hora subiu 5,4% ao ano em julho.
A incerteza em torno do impacto inflacionário da Bidenomics é agravada pelo aumento do déficit fiscal, apenas uma parte disso se deve aos programas de Biden. Nos primeiros nove meses do ano fiscal que vai até setembro, o déficit somou US$ 1,4 trilhão, quase o triplo de igual período do ano anterior.
A agência de classificação de risco Fitch Ratings destacou a deterioração das finanças do governo na semana passada ao tirar dos EUA sua nota máxima “AAA”.
Vários fatores estão por trás do aumento do déficit neste ano. Alguns não têm impacto evidente sobre a economia, como o fim das remessas do Fed para o Tesouro dos ganhos com suas posições em bônus. Outros, como o adicional de US$ 101 bilhões dos pagamentos da Seguridade Social e um atraso nos pagamentos de impostos na Califórnia até outubro, devido a desastres naturais, resultaram em mais renda disponível às famílias.
Michael Feroli, economista-chefe do JP Morgan Chase, disse que o déficit maior ajuda a explicar a resiliência surpreendente da economia até agora no ano e é uma das razões pelas quais ele está descartando sua previsão de recessão.
Mas ele alerta que seria um erro do Fed considerar a estabilidade da economia como um sinal verde para prosseguir com os aumentos dos juros, pois o déficit deverá diminuir no próximo ano fiscal. “O Fed precisa estar ciente disso, em vez de seguir em frente a todo vapor”, observa ele.