Os resultados da COP 28 

Estamos em um momento crucial da história”, diz Martin Kaiser, diretor-executivo do Greenpeace Alemanha, nas horas decisivas da COP 28, que começou em Dubai há 14 dias. “Esta conferência pode marcar o início do fim da indústria do petróleo e do gás.” 

Kaiser, que dirige um dos maiores braços da famosa organização ambientalista, diz que a grande questão da COP 28 “é saber se a decisão final dará ao mundo a esperança de que somos capazes, como comunidade global, de enfrentar a crise climática”.

A seguir trechos da entrevista que concedeu ao Valor:
Valor: Esta COP pode resolver o problema da crise do clima, dos combustíveis fósseis? Ou é ilusão? 

Martin Kaiser: Estamos num momento crucial da história, porque pode ser o momento em que os países decidem eliminar gradualmente os combustíveis fósseis, que é um dos principais pontos para colocar o mundo no caminho certo para a crise climática. Mas há muito em jogo para muitos países, que dependem da indústria do petróleo e do gás, um setor muito poderoso porque produz energia, mas também porque os interesses e os lucros dessas empresas as tornam muito fortes na política. Podemos imaginar como é difícil um acordo nesse contexto. 

Valor: Os governos podem encontrar algum tipo de resposta? 

Kaiser: O que podemos ver é um jogo de poder entre as economias que perceberam que a dependência do petróleo, do gás e do carvão tem de acabar e que existe um ambicioso, mas razoável, cronograma para isso e outras que querem manter o velho sistema. A questão é saber se a decisão final dará ao mundo a esperança de que somos capazes, como comunidade global, de enfrentar a crise climática. 

Valor: O que o Greenpeace espera como resultado da COP 28? 

Kaiser: Para o Greenpeace, é importante manter uma opção realista de 1,5°C como limite para o aquecimento, porque já podemos ver o que está acontecendo com secas como vimos na Amazônia, incêndios florestais que ocorreram em todo o hemisfério Norte no verão e chuvas terríveis mais fortes e frequentes do que jamais vimos antes. Fica evidente que, só com redução de emissões, não ficaremos no caminho do cenário de 1,5°C. 

Em 2022 vimos os altos lucros das empresas de petróleo e gás. E para onde esse dinheiro vai? Será que vai para novas perfurações de petróleo e gás, que irão provocar uma crise climática na Amazônia e em outros locais, ou para construir um novo sistema energético? Esse dilema também se vê no Brasil, onde a exploração de petróleo está na ordem do dia. Os governos precisam assumir responsabilidades agora e investir no futuro, não no passado.

Valor: A ideia de países desenvolvidos liderarem a substituição dos combustíveis fósseis pode ser um ponto de partida? 

Kaiser: Vivemos em um mundo em que a crise climática está por todo lado. É responsabilidade de cada governo fazer o máximo possível para combater o aquecimento global. Esse é o ponto de partida. Existem 20 países que são responsáveis por 80% das emissões globais, os países do G-20, que são as grandes economias mundiais. Podem fazer muito por si próprios e organizar os meios necessários para a transformação do sistema energético, de transportes e das moradias. Mas penso que esse sistema dos anos 90, que se reflete na Convenção do Clima, não é a realidade que vemos no século 21. Além desses países, há muitos outros que podem fazer muito em matéria de mudança do clima, e são eles que têm que estar na vanguarda da ambição. E há outros que não têm meios para mudar as coisas. É por isso que este encontro internacional precisa organizar o apoio a esses países. 

Valor: Se essa conferência não equacionar a questão dos combustíveis fósseis terá sido um fracasso? 

Kaiser: Estou convencido de que a questão global da crise climática só pode ser resolvida através de conferências internacionais, e as da ONU desempenham um papel importante nesse campo. Sem elas, já estaríamos caminhando para um mundo de 5°C a 6°C. O problema é que o ritmo desses processos é muito lento e também é muito fácil para os lobistas da indústria do petróleo e do gás miná-los. 

Valor: A Opep reagiu de maneira forte, dizendo a seus membros para não aceitarem qualquer compromisso em combustíveis fósseis. Como viu essa reação? 

Kaiser: Os países produtores de petróleo parecem estar muito nervosos com o fato de esta conferência poder marcar o início do fim da indústria do petróleo e do gás. Por isso, agiram como agiram, de modo inédito. Fiquei muito surpreso com o fato de, em pleno século 21, o governo brasileiro ter se juntado aos países da Opep porque esse é exatamente o sinal errado. O presidente Lula iniciou seu governo dizendo que quer salvar a Amazônia e, por outro lado, quer perfurar petróleo. Isso é uma contradição. 

Valor: O que espera do Brasil na presidência do G-20 e na COP 30? 

Kaiser: A diplomacia do Brasil sempre foi notável. E o Brasil, com exceção do mandato de Bolsonaro, sempre foi um importante construtor de pontes entre as grandes economias e os países que ainda não chegaram lá. Se o governo Lula conseguir fazer do G- 20 um sucesso em matéria de financiamento climático, irá preparar o caminho para o sucesso na COP 30. 

Valor: E o que pensa sobre os mercados de carbono? 

Kaiser: Temos de ser muito cautelosos para não abrir mercados de carbono de forma a que a indústria do petróleo e do gás fique livre da sua responsabilidade e coloque a conta na natureza e nas florestas. 

https://valor.globo.com/mundo/cop28/noticia/2023/12/13/para-o-greenpeace-momento-e-crucial.ghtml

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