O homem-seta, personagem visto facilmente em ruas e avenidas próximas a empreendimentos imobiliários nas maiores cidades do país, com um placa pendurada no pescoço e uma flecha pintada, indicando um estande de vendas, está fadado a desaparecer.
Assim como o distribuidor de folhetos nos sinais de trânsito, o homem-seta faz parte da idade pré-digital do marketing das incorporadoras e construtoras brasileiras. Podem até ter uma sobrevida em tempos de crise econômica, com alto desemprego, mas o futuro é digital.
“O que fazemos hoje é o ‘matemarketing’ ”, diz Gustavo Reis, chefe de marketing e inovação da Tecnisa. A palavra nova junta propaganda, venda e instrumentos de medição de consumo. Para Reis, “beira o desumano [a situação do homem-seta]. Não podemos ficar felizes com um modelo desse”. Além do mais, diz, a eficiência dos processos digitais é muito maior.
No ano passado, o setor imobiliário ficou entre os 15 que mais investiram em publicidade, segundo pesquisa da Kantar IBOPE Media. Mais de 3.700 anunciantes compraram espaço em todos meios de comunicação, de jornais e revistas à internet e TV por assinatura. A agência NewE, focada no setor imobiliário, calcula que os imóveis ficam com 10% da publicidade paga no país, com investimentos em torno de R$ 600 milhões.
Na Tecnisa, que constrói e comercializa imóveis em várias faixas de preço, de R$ 200 mil a R$ 2 milhões, 83% das vendas têm origem na internet. Segundo Reis, parte dos compradores nem se dá ao trabalho de conhecer pessoalmente o imóvel.
O corretor, agora rebatizado consultor, só encontra o cliente na fase final do processo. Antes, o vendedor mais adequado já foi selecionado, recebeu os dados sobre o potencial comprador, com perfis de renda e investimento, hábitos e até preferências musicais.
“Temos corretores preparados como vendedores de joalheria”, compara Lucas Tarabori, diretor de marketing, vendas e novos negócios da Nortis, especializada em imóveis de alto padrão. Para a maioria dos consumidores, a casa própria é a maior compra que fará em toda vida, algo que envolve toda a família.
O treinamento do corretor é considerado fator fundamental na incorporadora Benx, que lançou em 2020 um dos maiores empreendimentos em andamento no país, na Marginal de Pinheiros em São Paulo. Em março do ano passado, em plena pandemia, a empresa programara reunir 3 mil corretores num hotel, para anunciar o lançamento. Por causa da covid-19, o plano foi suspenso e transformado em um evento on-line.
Com sucesso, informa Luciano Amaral, diretor-geral da Benx. A empresa vendeu cerca de R$ 800 milhões, de duas torres residenciais, em 90 dias. Do total da receita, 83% nasceu no on-line. “Antes da pandemia nossa programação de marketing era 60% no off-line (impressos e TV) e 40% no on-line. Com a pandemia a proporção se inverteu.
Os estandes de venda das maiores empresas passaram por grandes transformações. Aqueles ambientes com jeito de provisórios, cheiro de tinta, madeira e cimento, muitas fotos da construção penduradas, estão caindo em desuso. As incorporadoras e construtoras estão investindo em alta tecnologia. “Proporcionar experiências para os clientes” é o novo lema.
O novo marketing para o mercado imobiliário usa imagens dos apartamentos em 3D, que podem ser vistas com óculos de realidade aumentada, tours virtuais nas obras, adegas de vinhos e até aromas elaborados especialmente para as empresas.
“Nós temos o cheiro Nortis”, diz o diretor da empresa, que investe em regiões da área nobre de São Paulo, com apartamentos que chegam a R$ 8 milhões. Esse mercado, segundo Tarabori, não tomou conhecimento da crise.
Sua empresa cresceu 30% em relação a 2019, sendo que 60% das vendas começaram no digital. Atenção especial foi para a publicidade dedicada ao telefone celular, onde o acesso é três vezes superior ao feito pelo computador, nas contas da Nortis.
O “matemarketing” funciona a cada passo dado pelo cliente. A taxa de conversão entre o lide (momento em que o consumidor manifesta seu interesse pela compra) e a venda, segundo o diretor da Nortis, está entre 1,6% e 1,7% nos lançamentos, enquanto a do varejo eletrônico em geral fica em 1%.
“Claro que trabalhamos com um público bem menor e específico”, ressalva. O tempo de venda entre os cliques em que o cliente manifesta interesse e efetiva a compra diminuiu de 43 dias para 26 dias.
A performance dos consultores também é medida. “Quando começamos o mês já podemos prever com razoável certeza qual será a venda”, diz Taraboli, com base em seus algoritmos. “É um modelo que não vai mais mudar”, acredita.
Para Cláudio Harmelin, carioca que ocupa a vice-presidência de intermediação e marketing do Secovi-SP, o mercado imobiliário não passou da Idade da Pedra, era dos Flintstones, para a dos Jetsons, no curto espaço de um ano. As mudanças vinham acontecendo e foram aceleradas no último ano.
“Não sabemos o que vai mudar definitivamente e o que pode retornar, não vamos de zero a 100, vamos ficar em algo no meio do caminho”, pondera Hermelin. Ele concorda, entretanto, que as ferramentas digitais de marketing e de mensuração vieram para ficar.
“Os corretores precisaram se adaptar rápido aos novos tempos”, diz o vice-presidente do Secovi, que reúne incorporadores e administradores de imóveis. Ele os compara aos motoristas de táxi, que precisaram aprender a lidar com aplicativos de localização e enfrentar a concorrência de plataformas, como Uber e 99. “Não foi uma escolha, foi uma necessidade. Ou ia para o digital ou ficava sem cliente”