O legado de Sheryl Sandberg, a mais poderosa executiva do mundo da tecnologia

Financial Times; Sheryl Sandberg pretendia passar apenas cinco anos no Facebook quando ingressou em 2008 como braço direito de Mark Zuckerberg. Em vez disso, ficou 14, tornando-se uma das figuras mais conhecidas e polarizadoras do Vale do Silício.

Quando ela deixar o cargo de diretora de operações do Facebook, agora conhecido como Meta, neste ano, deixará para trás um legado misto. Por um lado, construiu uma imagem de executiva experiente e modelo para as mulheres, que ajudou a empresa a valer US$ 538 bilhões (R$ 2,57 trilhões) turbinando sua máquina de publicidade digital.

Mas Sandberg também se tornou um para-raios de críticas, acusada de tentar varrer para baixo do tapete as controvérsias sobre moderação de conteúdo e privacidade, enquanto o Facebook saltava de escândalo em escândalo após a eleição de 2016 nos Estados Unidos.

“O Facebook não seria o Facebook sem Sheryl”, disse David Jones, executivo-chefe do Brandtech Group e ex-executivo-chefe do grupo de publicidade Havas. “Ela construiu a base que permitiu que o Facebook crescesse até o que se tornou –de bom ou ruim.”

Para Sandberg e Zuckerberg, o momento marca uma encruzilhada, já que a dupla poderosa, que se distanciou nos últimos anos, agora busca refazer suas imagens separadamente após anos de escrutínio.

Zuckerberg tem se concentrado em sua visão para o metaverso, num momento em que o preço das ações do Facebook oscila, o crescimento diminui e a concorrência aumenta. Sandberg, uma democrata comprometida, disse que pretende se dedicar à família e a empreendimentos filantrópicos, em meio a especulações de que ela pode entrar na política. Ela continuará no conselho de administração da Meta.
Sandberg também sai sob dúvidas, após uma reportagem de The Wall Street Journal alegando que ela pressionou o Daily Mail a abandonar a cobertura negativa de seu ex-namorado Bobby Kotick, executivo-chefe da Activision Blizzard. A Meta declarou que o assunto está encerrado.

Separadamente, na quinta-feira (2), o Journal relatou uma investigação sobre o uso de recursos da empresa para planejar seu próximo casamento com o executivo de marketing Tom Bernthal. Um porta-voz da Meta disse sobre a reportagem: “Nada disso teve qualquer impacto em sua decisão pessoal de sair”.

Sandberg foi creditada por transformar uma startup desorganizada comandada por “tech bros” de 20 e poucos anos num império de publicidade digital invejável durante a primeira metade de seu mandato. Ela disse que foi “colocada neste planeta para escalar organizações”, e fez isso. De acordo com os registros da Oferta Pública Inicial do Facebook, em 2009, as vendas da empresa foram de US$ 777 milhões. Em 2021, a Meta gerou US$ 117 bilhões (R$ 560,4 bilhões) em receita.

Seu sucesso se deveu em parte à atenção meticulosa para os detalhes e sua proeza como uma “networker” consumada, dizem colegas de trabalho. Os profissionais de marketing a descrevem como passando mais tempo com executivos de publicidade do que seus rivais, como seu ex-empregador Google, e organizando jantares elegantes em sua casa em Menlo Park para atrair clientes. Ela escutava, e então agia conforme suas demandas, disseram eles.

“Ela desempenhou um papel importante em fazer Mark Zuckerberg levar a comunidade publicitária muito a sério”, disse Jones.

Sandberg também se cercou de aliados, principalmente mulheres, de suas atuações anteriores em Harvard, no Tesouro e no Google –apelidados de “Amigos de Sheryl Sandberg”, ou FOSS na sigla em inglês. Muitos viram o fenômeno FOSS como Sandberg defendendo as mulheres em linha com seu manifesto do feminismo corporativo, “Lean In”; outros lamentaram a criação desses grupelhos.

“Quando você tinha a proteção dela, era incrivelmente empoderador, mas quando você não tem a bênção de Sheryl pode ser muito limitante”, disse um ex-funcionário graduado.

A capacidade de Sandberg de influir em reuniões trouxe negócios e foi crucial para a criação da equipe de políticas e comunicações públicas do Facebook. Ela assumiu pessoalmente o papel de lobista-chefe, reunindo-se com reguladores e legisladores enquanto Zuckerberg se concentrava na inovação de produtos.

À medida que o Vale do Silício crescia, congressistas tentaram ativamente se reunir com Sandberg antes das eleições de 2016, visando abraçar o setor de tecnologia, segundo ex-colegas. Mas não durou.

Seu perfil público como a segunda no comando após Zuckerberg a deixou na linha de fogo –diante de legisladores, clientes e público– quando a empresa foi atingida por uma série de escândalos após as eleições de 2016.

“Sheryl sempre foi o poder brando, com os telefonemas e a ofensiva de charme, quando o Facebook enfrentava uma crise”, disse um executivo de uma agência de publicidade.

O modelo de negócio de anúncios em que ela foi pioneira também está sendo investigado. Críticos e grupos da sociedade civil argumentaram que postagens tóxicas e provocativas foram recompensadas na tentativa de atrair a atenção dos usuários, enquanto a coleta de dados de usuários para segmentação também contribuiu para lapsos de privacidade.

Sandberg também desenvolveu uma reputação de não identificar problemas e se tornar defensiva quando eles explodiam em escândalos, buscando controlar as narrativas da imprensa e afastar os reguladores.
“Não tem a ver com o que ela fez, mas com a resposta. Muitas dessas coisas foram consequências não intencionais. Mas então você tem que dar meia-volta e agir”, disse outro executivo de publicidade.

Essa abordagem, chamada de atrasar, negar e desviar-se, foi aplicada à maneira como ela lidou com o escândalo da Cambridge Analytica, assim como as revelações de campanhas de desinformação russas em torno das eleições de 2016, segundo várias reportagens.

Às vezes isso se transformava em acusações. O The New York Times revelou em 2018 que, sob a supervisão de Sandberg, o Facebook contratou a consultoria Definers Public Affairs, de tendência republicana, para espalhar informações erradas sobre concorrentes e críticos.

Mais recentemente, ela causou uma reação por minimizar a noção de que o Facebook desempenhou um papel nos acontecimentos que levaram à invasão do Capitólio em 6 de janeiro, argumentando que foi “em grande parte” organizado em outras plataformas.

Alguns expressaram simpatia por sua posição; Zuckerberg, afinal, é o tomador de decisão final. “Ela se sentiu encurralada em torno dessas coisas, o que continuou aumentando a abordagem de ‘desviar-se'”, disse um ex-funcionário sênior. “Ela nunca podia sair da posição agachada porque a empresa enfrenta crise após crise.”

Sua saída não surge do nada, de acordo com fontes. Nos últimos anos, Sandberg se afastou dos holofotes e sua influência diminuiu, à medida que as tensões com Zuckerberg ferviam.

“Ano após ano, o abismo entre Sheryl e Mark e o que eles pensavam que devia ser feito do ponto de vista da moderação de conteúdo certamente cresceu”, disse o ex-funcionário, acrescentando que a postura de liberdade de expressão de Zuckerberg se chocava com o desejo de Sandberg de moderação mais firme.

Em sua carta sobre a saída de Sandberg, Zuckerberg disse que Javier Olivan, diretor de crescimento da empresa, assumirá um “papel de COO mais tradicional”, no qual estará “focado internamente e operacionalmente”.

Apesar de Sandberg ser uma “superstar que definiu o papel de COO de uma maneira única”, Zuckerberg escreveu que “a Meta chegou ao ponto em que faz sentido que nossos grupos de produtos e negócios sejam mais integrados, em vez de ter todos os negócios e funções operacionais organizadas separadamente de nossos produtos”.

A mudança consolida o próprio poder de Zuckerberg, pois ele assume muitas das pessoas que costumavam se reportar diretamente a ela.

Zuckerberg descreveu a mudança como o “fim de uma era”. Mas com isso ele também indicou sua intenção de iniciar uma nova –na qual o papel anterior de Sandberg, com todo o seu poder e amplitude, não existirá mais.

https://www1.folha.uol.com.br/tec/2022/06/conheca-o-legado-de-sheryl-sandberg-a-mulher-mais-poderosa-do-mundo-da-tecnologia.shtml

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